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Carta aberta à ministra da educação

Sou professor, efectivo, com 11 anos de serviço completos, de dedicação à profissão e à causa da educação. Votei neste governo na esperança de uma mudança autêntica. Na esperança que acabassem os atentados aos princípios de justeza, dignidade e respeito que a classe docente deve merecer e não tem tido. Infelizmente, essa mudança não aconteceu. Os professores continuam a ser tratados como inimigos da nação. Inimizade eufemisticamente traduzida em classe privilegiada. Um Estado que não respeita as pessoas que são formadas para educar o país poderá legitimamente esperar que os educadores da nação cumpram a sua missão!? É verdade que a educação é uma missão, mas o professor também é um profissional. Têm razão aqueles que esperam que os professores tenham um espírito de missão. Mas até o missionário mais dedicado exige respeito, aliás somente nesse contexto é que pode haver espírito de missão. Mas nós, os professores, também somos profissionais e, como qualquer profissional, para que se lhe exija que execute uma tarefa há que lhe dar as condições mínimas de trabalho, e uma em particular: motivação. Políticas que minam as condições de satisfação laboral estarão, mais cedo ou mais tarde, condenadas. Contudo, é necessário intervir para evitar que essas políticas entretanto façam estragos. O que pretendo aqui é apenas um exercício de cidadania participada.
Sra. Ministra ? é justo que, continuamente, professores menos graduados tenham prioridade, nas escolhas de horários em relação aos professores mais graduados? Sra. Ministra ? é digno exigir a uma mãe e a um pai que abandonem os seus filhos para ensinar, a quilómetros de distância, os filhos dos outros? Triste ironia, como se o correspondente ao dever de educar os filhos da nação fosse a exigência de não poder educar os seus próprios filhos. Sra. Ministra - é respeitável ter que, obrigatoriamente, trabalhar onde o insensível computador nos obriga, ao arrepio do mais elementar direito e dever de qualquer pessoa: cuidar dos seus próprios filhos? Sustentar políticas na injustiça, na indignidade e no desrespeito pela situação profissional, pessoal e familiar não é seguramente uma política de esquerda, nem sequer, convenhamos, uma atitude democrática. Não, Sra. Ministra, não me volta a separar da família! Se, no limite, tiver que abandonar o ensino, depois de todo o investimento na profissão, do ponto de vista pessoal, profissional e afectivo, pois assim farei. Quero acreditar que a perda não é só minha. Quero acreditar que o sistema de ensino também perderá um Quadro com valor. Mas essa é apenas uma crença que, deduzo, lhe importe pouco.
Pensar que, obrigar os professores a ficar 3 ou 4 anos na mesma escola, sem direito a destacamento, é trazer estabilidade às escolas, não é uma proposta séria, nem do ponto de vista profissional, muito menos do ponto de vista intelectual. Estabilidade também tinham os escravos se aceitassem a sua situação! Estabilidade compulsiva é, no mínimo, uma contradição nos termos. Será estável ter professores deslocados contra sua vontade? Será estável ter professores completamente desmotivados e insatisfeitos, dispostos a um maior número de faltas? Será estável ter professores afastados durante anos das suas famílias ou a terem que fazer dezenas ou centenas de quilómetros por dia? Mesmo que a tão apregoada estabilidade nas escolas fosse real, é admissível que se possa sobrepor à estabilidade na família? O direito de estabilidade dos alunos deve, no mínimo, corresponder ao direito (ou será privilégio!?) de estabilidade dos filhos dos professores. Estes também precisam de educação. E qualquer educador, com o mínimo de formação poderá dar garantias pedagógicas da maior importância da educação na família em relação à escola. Somente na irónica e, pelos vistos profética, imaginação de Aldous Huxley no seu Admirável mundo novo é que as crianças podiam ser educadas sem a referência parental. Mesmo de um ponto de vista da ética utilitarista (teoria ética controversa que analisa a bondade das decisões em função dos custos e benefícios) dificilmente se poderia aprovar uma decisão com tais custos sem vislumbrar qualquer benefício
As minhas filhas já ficaram tempo demais sem o pai e sem a mãe em casa. À sua proposta respondo claramente: Não. Nunca mais sacrificarei a família à profissão.
Mas para não se pensar que isto é apenas um exercício de frustração profissional deixo aqui uma proposta em como se podia facilmente resolver o problema da estabilidade na família e nas escolas. Querem professores colocados em função dos ciclos de ensino, pois seja. Mas em vez de terminar com os destacamentos, pelo contrário, permita-se o destacamento por aproximação à residência a todos os professores dos Quadros de Escola e Zona Pedagógica de modo a que os professores possam estabilizar o mais perto possível da sua residência, durante os três ou quatro anos, no respeito pela graduação profissional. Não resolveria os problemas todos porque haveria sempre alguns professores que teriam de se deslocar, mas isso é uma inevitabilidade do sistema. Seria uma medida que deixaria a grande maioria dos professores satisfeitos, cujos benefícios ultrapassariam em grande escala os custos, e para mais ? justa ? porque obedeceria ao princípio da maior graduação melhor colocação.
Na esperança de poder contribuir para a estabilidade na educação,


  
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Edição:

N.º 151
Ano 14, Dezembro 2005

Autoria:

José Rui M. F. Rebelo
Professor de Quadro de Escola
José Rui M. F. Rebelo
Professor de Quadro de Escola

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