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Arte, Computadores, Realidade Social e Choque Tecnológico...

Um povo que despreza a arte não pode ter futuro. Esta é humildemente a nossa convicção que facilmente seria demonstrável se quiséssemos dar-nos ao trabalho de confrontarmos as nossas vivências com a História. Mas não queremos, porque se nos afigura mais fácil varrermos o lixo para debaixo do tapete e ficarmos com a confortável sensação de que varremos a casa.
Quando Helena Carvalhão Buescu interpelava o então Ministro da Educação sobre os excertos do regulamento do Big-Brother inseridos nos programas de Língua Portuguesa pareceu-me depreender das suas palavras que tudo o que a incomodava era a inclusão do "lixo" (e ela não tinha medo das palavras) naquilo que deveria ocupar-se com a arte: A Língua Portuguesa que outra coisa não é senão arte! Quando Clara Ferreira Alves em o "Bocejo Triunfal" se interroga sobre o cinzentismo do discurso político em Portugal daquela "gente que nem chegou a ler os obrigatórios Maias" apostamos, dobrado contra singelo, que é de arte que nos quer falar... Ou da falta dela, que se traduz na falta de chama com que os vendedores de promessas nos vão ludibriando. Este é pois o imenso deserto que quarenta e oito anos de "ancien régime" e trinta de pseudo-democracia (mas como fazer uma democracia sem democratas?!) aparece como pano de fundo a uma realidade social inculta, inepta, amorfa, amarfanhada, anestesiada e sem vontade de mudança que caracteriza hoje o Povo Português. Anestesiado pelo lixo destilado diariamente à hora de encontro do agregado familiar, chamado de longe em longe a exercer o sacro-santo dever de votar, o Povo português vai-se afundando mais e mais naquilo em que sempre chafurdou: a miséria da incultura transmitida de pais para filhos para gáudio de uma classe dirigente inharra, semi-analfabeta, engravatada, desconhecendo que a gravata começou por ser um sinal de protesto!  
Nesta sociedade, na qual sequer apetece viver, onde o trabalho é tão cotado como a preguiça (vejam-se muitas vezes as notas dos nossos alunos universitários) não serão certamente as novas tecnologias que virão trazer a mudança. Esse discurso, comummente ouvido, aos vendedores dos últimos modelos de computadores, bem como aos dirigentes políticos da nossa praça, iludem regularmente esta questão de fundo, a saber: um computador é apenas uma máquina, um objecto de trabalho, como o foi ontem o machado de pedra, como é ainda nos nossos dias a palhinha que o gorila enfia no buraco do tronco podre, para de lá sacar as térmitas que lhe hão-de servir de alimento.
Não há, - não pode haver! - choques tecnológicos! Essa é a maior falácia dos tempos modernos. Há - isso sim! Isso é que há! - apropriação dos meios tecnológicos numa dada época... Ou não, como parece ser o nosso triste caso! ... E não por múltiplas razões: porque para mudar seja o que for é condição sine qua non uma predisposição para a mudança. Experienciar e aproveitar da experiência aquilo que com trabalho e persistência se for retirando de muitas experiências, algumas redondamente falhadas outras semi-conseguidas. Sem essa vontade, rejeitando como lixo, tudo o que atrás foi feito, porque não feito por nós ou pelos nossos amigos, não poderá, em boa verdade, levar-nos senão a este pequeno atoleiro em que vimos chafurdando.
Eis porque nos indignamos quando ouvimos pôr a tónica em hipotéticos choques que de uma penada resolveriam como que por encanto os males da iliteracia do nosso País. Falácia é a palavra que caracteriza estes discursos que, em boa verdade não podem ser levados a sério. Alguns anos passarão e ainda continuaremos a ouvir falar de múltiplos choques tecnológicos (porque outras tecnologias virão incansavelmente, invariável e regularmente!!!), mas a literacia do Povo de que fazemos parte, continuará a situar-se a níveis apenas comparáveis com os níveis de países do terceiro mundo, secularmente escalpelizados pelos interesses de quem tem como referência o conteúdo dos poços do petróleo. Esse terá sido (tudo indica que assim continuará a ser!) o grande drama da nossa Economia, da nossa Vida Social e Cultural, da nossa Existência  tout court! Porque nos falta a chama que não a inteligência! Porque nos falta a Vontade anestesiada por séculos de incompetência, de amizades duvidosas criadas em corporações que têm do bem comum uma ideia mui sui-generis como não é possível que não reparemos a cada dia que passa!!!


  
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Edição:

N.º 151
Ano 14, Dezembro 2005

Autoria:

Veríssimo Ramos
Professor
Veríssimo Ramos
Professor

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