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SIDA: uma epidemia do tamanho do mundo

Desde que, nos anos 80, foram diagnosticados os primeiros casos de SIDA, a doença já causou a morte a mais de 21 milhões de pessoas. Em 2003, as Nações Unidas calculavam que entre 34,6 a 42,3 milhões de pessoas fossem portadoras do Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV).
E a epidemia continua a alastrar. Pela sua rápida propagação, alcance e intensidade, a SIDA passou a ser considerada pela ONU como uma ?crise excepcional? na história da humanidade que não pode ser confundida como ?mais um problema no mundo?.
Neste dossier, A Página traça o retrato da epidemia a nível mundial e mostra como o acesso ao tratamento é ainda muito desigual entre países ricos e pobres. Lugar ainda para uma curta entrevista a Francisco Porto Ribeiro, da Associação Abraço, para quem a evolução negativa de Portugal face a outros países europeus se deve, em grande parte, à desresponsabilização do poder politico.

No mapa geográfico da SIDA, o continente africano é o mais atingido e onde a epidemia assume proporções de calamidade. É na África subsariana que ocorre perto de 90 por cento das novas infecções pelo VIH. Estima-se que em 2003 houvesse cerca de 25 milhões de africanos portadores do vírus (as estimativas mais altas apontavam para 27,9 milhões) e que mais de 17 milhões tivessem morrido até esse ano. Este número representava, na altura, o triplo do total de mortes em relação ao resto do mundo. Actualmente, calcula-se que em muitos países da África meridional, em média, um em cada cinco adultos seja portador do VIH.
De acordo com a ONU-SIDA (organismo das Nações Unidas criado para coordenar os esforços de erradicação da doença a nível mundial) o Uganda é o único país da África subsariana que tem conseguido inverter a progressão da doença. Entre o início da década de 90 e a actualidade, a taxa de prevalência entre a população adulta decresceu cerca de 6%, mantendo-se hoje nos 8%. Em outros países da África Oriental, como o Djibouti, a Etiópia ou o Quénia, a taxa de prevalência mantém-se nos dois dígitos.
Estas taxas são particularmente elevadas em países como a Namíbia e a Zâmbia (20%), o Lesoto (24%), a Swazilândia e o Zimbabwe (25%) ou o Botswana, onde mais de um terço da população é seropositiva (36%). A África do Sul é o país com maior número de seropositivos no mundo, com 5,1 milhões de indivíduos.
Em alguns destes países, a SIDA fez com que a expectativa média de vida decaísse dos 55 para os 35 anos de idade entre 2001 e 2005. Aqui, onde vivem cerca de 85% dos seropositivos menores de 15 anos de todo o mundo, completar dezoito anos significa praticamente chegar à meia-idade.
No norte de África e no Médio Oriente a epidemia de SIDA está longe de ter a mesma expressão, mas continua a progredir. Em 2000, calculava-se que nesta região vivessem cerca de 400 mil pessoas com o VIH.
A epidemia alastra também a outras zonas do globo, sobretudo à Ásia, onde cerca de 6,5 milhões de pessoas são portadoras do vírus. A China parece ser actualmente o país mais vulnerável, fruto do aumento da taxa de infecções sexualmente transmissíveis e da imigração em larga escala do interior para o litoral.
Em termos absolutos, a Índia é o segundo país do mundo, a seguir à África do Sul, com maior número de casos de SIDA no mundo (3,7 milhões). No entanto, devido ao elevado número de habitantes (acima dos mil milhões) a percentagem de prevalência é relativamente baixa (0,7%). 
Na América Latina e Caraíbas vivem cerca de 1,8 milhões de pessoas com SIDA. O Haiti é o país com a mais alta taxa de prevalência da região (5%), apenas suplantada pela África a sul do sahara. Em outros quatro países das Caraíbas (República Dominicana, Jamaica, Porto Rico e Bahamas) a taxa oscila em redor dos 2% da população adulta.
No Brasil, país da América do Sul mais afectado e onde a taxa de incidência crescia a um ritmo galopante até ao final dos anos noventa, o início do fabrico de medicamentos anti-retrovirais ? ao desafiou das leis de monopólio das grandes empresas farmacêuticas mundiais ? tem estabilizado a progressão da epidemia.
As taxas de infecção crescem também na Europa Oriental e Ásia Central, onde factores como o consumo de drogas injectáveis e as infecções transmitidas sexualmente estão a fazer aumentar o número de pessoas que vivem com o VIH. Em algumas partes desta região, produziram-se mais infecções pelo vírus ao longo de 2000 do que no conjunto dos anos anteriores.
Nos países industrializados existem cerca de 1,5 milhões de pessoas infectadas, mas a maioria consegue levar uma vida normal graças à terapia anti-retrovírica de uso generalizado. Apesar disto, os esforços de prevenção parecem não estar a surtir o efeito desejado. Em algumas cidades americanas, por exemplo, os índices de SIDA entre os consumidores de drogas injectáveis voltaram a subir e atingem níveis tão altos como 18% em Chicago ou 30% em algumas zonas de Nova Iorque.

A desigualdade norte-sul no acesso ao tratamento

Sabe-se hoje que a prevenção é a melhor forma de combater a SIDA. Na Ásia, por exemplo, as iniciativas de prevenção levadas a cabo na Tailândia, ao longo dos anos 90, evitaram cerca de cinco milhões de mortes.
Porém, passadas mais de duas décadas desde o aparecimento da epidemia, os estudos realizados a nível mundial demonstram que uma percentagem significativa dos jovens ainda não faz ideia de como se transmite ou de que forma se podem proteger do vírus. Em todo o mundo, a cada 15 segundos um jovem entre os 15 e os 24 anos é infectado pelo VIH. Em 2004, esse número ascendeu a mais de 2 milhões de indivíduos.
De facto, a SIDA está longe de ser um problema que atinja exclusivamente os adultos. De acordo com números da Organização Mundial de Saúde, cerca de 500 mil crianças menores de 15 anos morrem anualmente vítimas de SIDA, o que equivale a um óbito a cada minuto. Dos mais de três milhões de mortos causados pela doença em 2004, um em cada seis era uma criança. Cerca de 640 mil são infectadas anualmente. Sem acesso a tratamento adequado, metade delas não sobrevive até aos dois anos de idade.
A Organização das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), estima que em 2010 existirão mais de 18 milhões de crianças órfãs de um dos progenitores na África subsariana e que menos de 10% delas receba actualmente algum tipo de apoio público. Mais do que os governos, os doadores ou as organizações não governamentais internacionais em conjunto, são sobretudo as comunidades locais que têm prestado o apoio directo a estas crianças.
Por outro lado, apesar de o preço dos medicamentos anti-retrovíricos ter baixado nos países mais pobres e de o seu acesso ser hoje maior, eles estão ainda longe de chegar a todos quanto deles precisam.
A maioria dos cerca de meio milhão de menores de 15 anos que morre todos os anos vítimas de doenças relacionadas com a SIDA é contaminado através da transmissão do vírus de mãe para filho. Porém, menos de 10 por cento das mulheres grávidas têm acesso a tratamento que possa prevenir a transmissão.
Na década de 90, alguns programas levados a cabo em onze países africanos mostraram que através de uma terapêutica simples, com base em medicamentos anti-retrovirais cuja aplicação tem um custo estimado de três cêntimos por dia, consegue-se uma redução de aproximadamente 50% das infecções.
Apesar do baixo custo desta terapia, calcula-se que apenas 1% das crianças tenha acesso a este tratamento e que menos de 5% de outras crianças seropositivas que necessitam de outros tipos de medicamentos anti-retrovirais estejam a recebê-los.
No total, a Organização Mundial de Saúde estima que, no final de 2003, apenas cerca de 400 mil pessoas no mundo teriam acesso a medicamentação, o que significa que apenas uma em cada nove pessoas que necessita de tratamento urgente estava a recebê-lo.

Situação da SIDA em Portugal

De acordo com o Centro de Vigilância Epidemiológica das Doenças Transmissíveis (CVEDT) do Instituto Nacional de Saúde Ricardo Jorge, em Junho deste ano encontravam-se notificados cerca de 27 mil casos de VIH e SIDA nos diferentes estádios de infecção em Portugal.
Deste total, o maior número de casos correspondia a pessoas que consomem drogas por via endovenosa (46,8%). O número de casos associados à infecção por transmissão sexual heterossexual representava o segundo grupo (35,4%) e o terceiro era ocupado pela transmissão homossexual masculina (11,7%). As restantes formas de transmissão correspondiam a 6,1% do total.
Um aspecto relevante é o facto de os casos cuja causa provável de infecção é a transmissão sexual heterossexual apresentarem uma ?tendência evolutiva crescente? e de se registar uma diminuição dos casos associados à toxicodependência. Desde 1995, e ainda de acordo com o CVEDT, têm sido notificados com maior frequência casos de SIDA no grupo etário entre os 45 e os 54 anos.
Desde Fevereiro deste ano, a Sida é considerada uma doença de declaração obrigatória, estando catalogada como patologia de notificação obrigatória (Portaria nº 103/2005, DR nº 17, Série I-B revogada pela Portaria nº 258/2005, de 16 de Março, DR nº 53, Série I-B), devendo ser notificada ao CVEDT.
A ideia de que esta é uma doença restrita a alguns grupos de risco (homossexuais, prostitutas, toxicodependentes) está completamente ultrapassada. Entre 1992 e 1998, por exemplo, os casos de infecção VIH diagnosticados em homossexuais e bissexuais diminuíram para menos de metade, ao passo que aqueles que foram observados em heterossexuais aumentaram para mais do dobro.
Em Portugal os medicamentos necessários ao tratamento do VIH/SIDA são comparticipados na quase totalidade e entregues apenas nos hospitais. No entanto, de acordo com Francisco Porto Ribeiro, da Associação Abraço, esta medida não impede que a ?ignorância social? sobre o assunto continue a fazer vítimas e que o poder politico tenha responsabilidades por esta situação (ver entrevista na página 37).


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 151
Ano 14, Dezembro 2005

Autoria:

Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação
Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação

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