Inter-multiculturalidade
Sul da França. Um miúdo marroquino de nove anos desespera em casa por um dicionário. Na escola foi-lhe pedido que fizesse uma exposição sobre o seu país de origem. Para facilitar a tarefa a professora francesa estipula um questionário ao qual o miúdo tem obrigatoriamente de responder no trabalho. Na cozinha o miúdo reclama com a mãe. ?Preciso de saber quantos quilómetros tem Marrocos e qual a capital !? A mãe diz que não sabe e interpela o filho : ?Mas tu não estás na escola para aprender?? A ?cena? consta do filme L?Exposé, do realizador Ismael Ferroukhi (1992) e retrata o quotidiano escolar e familiar de um miúdo, filho de imigrantes marroquinos, a viver em França. A película apresentada por Luíza Cortesão, investigadora do Centro de Recursos Paulo Freire, mostra, segundo a investigadora, uma tensão característica em todo o ?migrante? dividido entre a preservação da sua identidade e a integração na sociedade de acolhimento. Uma tensão à qual a escola não escapa. Este foi o mote para uma das várias discussões inseridas no colóquio ?Implementação da Educação Inter Multicultural na Escola?, promovido pela Universidade do Porto. Qual o papel da escola face à multiculturalidade?
Integrar sem aculturar
A escola portuguesa é actualmente frequentada por alunos de 130 países diferentes. Os dados foram recolhidos através de um inquérito lançado pela Direcção-Geral de Inovação e Desenvolvimento Curricular sobre estudantes que não têm o Português como língua materna ao qual responderam 1772 escolas do ensino Básico. Mas este é apenas um dado que deixa antever a importância da discussão. ?A escola deve fornecer ao aluno instrumentos que o vão ajudar a sobreviver no mercado de trabalho e na sociedade mas que isso não se faça à custa da destruição da sua identidade cultural.? Neste duplo papel se joga a integração, assegura Luíza Cortesão contrapondo: ?Normalmente a escola não cumpre esta segunda parte?. E por isso ?a integração faz-se através da aculturação?, critica. Um fenómeno que a investigadora presenciou junto das comunidades emigrantes portuguesas, em países como a França, Bélgica e Luxemburgo. Sobre uma investigação acerca da integração das comunidades portuguesas em França, Luíza Cortesão recorda um episódio: a criação pelo Governo francês de turmas suplementares de ensino de português para os filhos dos emigrantes. Sendo portugueses de segunda geração, essas crianças tinham já nascido em França pelo que o efeito produzido pela medida não foi o esperado. ?A inscrição nessas turmas rotulava os alunos de portugueses, uma condição que eles disfarçavam muito bem pelo facto de falarem um francês correctíssimo e de serem brancos, daí que poucos se tivessem inscrito nessas aulas?, diz a investigadora. E apesar da oferta educativa do Governo francês ser vista como uma tentativa de preservar a cultura materna dos alunos portugueses, o facto, garante Luíza Cortesão, é que ?a frequência daquelas aulas diminuía os alunos aos olhos dos colegas franceses?. ?Foi bastante polémica?, a criação do projecto aulas de acolhimento no sistema educativo da comunidade de Madrid, Espanha, assegura Margarita del Olmo, investigadora do Cosejo Superior de Investigaciones Científicas [Ver caixa Guia INTER]. A medida, instituída em 2002 e entretanto alargada às outras comunidades, destina-se a proporcionar aos alunos estrangeiros a possibilidade da aprendizagem do castelhano antes da sua inserção nas turmas regulares do sistema educativo espanhol e por um período de três a 12 meses. As razões da polémica uniram encarregados de educação e defensores do multiculturalismo. ?Os pais não queriam que os seus filhos tivessem aulas com outros alunos imigrantes, mas sim com alunos espanhóis?, recorda Margarita del Olmo. ?Do ponto de vista da educação inter-multicultural, as aulas de acolhimento vão contra esta ideia porque apartam os alunos.? É também assim que Luíza Cortesão vê este modelo, por isso, assume-se contra a sua implementação em Portugal. Como alternativa sugere o modelo sueco onde os alunos estrangeiros são inseridos no ensino regular, mesmo que não dominem o idioma, sendo-lhes assegurado um tradutor para os apoiar dentro e fora da sala de aula. Apesar de também ter partilhado esta opinião, três anos a acompanhar o projecto ?aulas de acolhimento? fizeram Margarita del Olmo repensar a sua posição. ?Muitos professores que dão aulas de acolhimento dizem-me que se podem aplicar nelas os critérios interculturais.? O facto de na mesma aula de acolhimento os alunos estarem divididos por dois níveis, primário e secundário, e de provirem de países e culturas diferentes torna ?absolutamente impossível?, segundo a investigadora, pressupor um critério de homogeneidade nessas turmas. Acresce que, a par das aulas de acolhimento, os alunos estrangeiros frequentam turmas do ensino regular em certas ?aulas de referência?, como a Educação Plástica e a Educação Física, às quais corresponde a sua idade. A transição faz-se desta forma e uma vez incorporados nas turmas regulares, os alunos estrangeiros podem frequentar ?aulas compensatórias? se ainda não alcançaram o nível exigido.
?Intervenção mais reflexiva e sofisticada?
A implementação nos currículos nacionais da disciplina de Português como língua estrangeira seria uma das medidas que estariam a ser estudadas pelo Ministério da Educação para lidar com o crescente número de alunos imigrantes no sistema de ensino português. Uma ideia veiculada em Março deste ano por uma responsável da Direcção Regional da Educação Norte, em declarações à Página da Educação, mas até ao momento sem mais desenvolvimentos. É em defesa de uma política educativa que efectivamente possibilite a implementação da diversidade que se assume Margarita del Olmo. ?Há mudanças que não cabem aos professores?, afirma, e que passariam pela redução da proporção alunos/professor e contratação de tradutores ou professores da língua materna do aluno para apoiar o professor na sala de aula. Outros desafios se colocam à escola que se quer inter-multicultural. Um desses desafios consiste, em ?tornar a intervenção mais reflexiva e sofisticada?, diz António Magalhães, investigador do Centro de Investigação de Políticas Educativas para o Ensino Superior, da Faculdade e Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto. Uma chamada de atenção do investigador à acção governativa. ?Quando se desenvolvem políticas e dispositivos pedagógicos é preciso ter a noção de que isso se faz com base numa determinada perspectiva e atitude sobre a diferença?, sublinha.
Guia INTER
Implementar a Educação Inter-multicultural na escola
?Para repensar!? É em castelhano pragmático que Margarita del Olmo, resume a finalidade do INTER, um guia prático para a implementação da educação inter-multicultural nas escolas preparado por uma equipa de investigadores onde se inclui. Repensar a forma de ensinar. Repensar a forma de actuar. Repensar a forma de pensar. ?A diversidade cultural na sala de aula não pode ser vista como um obstáculo ao ensino?, adverte a investigadora do Consejo Superior de Investigaciones Científicas, um instituto público espanhol dedicado à investigação. Sob a coordenação da Universidad Nacional de Educacíon a Distancia, Madrid, o INTER foi escrito por uma equipa de investigadores de sete países diferentes Espanha, Portugal, Colômbia, Republica Checa, Letónia, Noruega e Áustria, pertencentes a várias instituições. Em Portugal a tarefa ficou a cargo da Universidade do Porto. Ao longo de oito módulos o INTER perspectiva temas como a diversidade e a homogeneidade na escola, a importância da colaboração entre as famílias, os estabelecimentos de ensino e outros agentes da comunidade, a avaliação para lá da testagem do desempenho académico, e as politicas educativas que norteiam a inter-multiculturalidade. Cada módulo está organizado em secções similares. Apesar de o guia não poder ser visto como um manual, como refere Margarita del Olmo, os autores não esqueceram a importância de concretizar os pressupostos teóricos da Educação Intercultural com exemplos de práticas e projectos que contribuem para a sua efectiva concretização. Estes exemplos estão presentes em todos os módulos na secção ?Actividades e sugestões?. Seguindo a mesma filosofia, as secções ?Recursos específicos e links adicionais? e ?Referencias?, sugerem a consulta de livros e endereços na Internet com informações úteis ao respectivo módulo. Uma das características do guia é a interactividade conseguida através da formulação de questões que interpelam directamente o leitor a propósito do que está a ler e o confrontam com ideias anteriormente desenvolvidas noutros módulos. O guia INTER está acessível em português via Internet no endereço http://inter.up.pt/ onde se lê INTER GUIDE. Neste endereço está também disponível uma longa lista de referências a matérias audiovisuais, bibliográficas e artigos sobre a temática da inter-multiculturalidade. Cada referência aparece comentada pela pessoa que a seleccionou para dar ao utilizador a pistas sobre o seu conteúdo, uma vez que o site não disponibiliza em si o material. ?Desgraçadamente os recursos, mesmo os que se referem a artigos, não podem ser descarregados porque não são nossos?, lamenta Margarita del Olmo. ?O ideal - aponta a investigadora ? ?seria que cada escola criasse o seu próprio centro de recursos?.
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