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Temas? que gostaria de não abordar

O que acontece actualmente em França (Novembro 2005), este profundo mal-estar consequente a desenraizamentos humanos das respectivas origens étnicas, e deficiente, ou ausência de, reintegração condigna no ambiente de recebimento, tinha mesmo que se dar; e virá certamente a acontecer em outros países, se soluções justas entretanto não forem encontradas.
Nós portugueses também temos as nossas Galinheiras e Bairros do Pica-pau, imigrantes internos ou de outros países vindos, por vezes superficialmente acolhidos e mais ou menos de esguelha encarados, e condições há que criar para que não venhamos um dia a ser surpreendidos por alguns desagradáveis desenlaces.
Bem sei que por cá tudo é pequenino; a França afigura-se enorme, muito mais pesada, e nós somos um país meão, portanto de problemas ligeiros, um cantinho mais leve... Light, não é?
Com a nossa ligeireza até nos vamos esquecendo da própria História que criámos, outros períodos de dor e exílio, tantas pessoas relegadas mesmo dentro do país onde nascemos para margens que outros queriam secundarizar e só a oposição indómita de tantos atenuou. Mas a doença do esquecimento parece pegar-se, e os ecos dessa resistência vão encontrando ambiente propício ao seu apagamento. Educação - precisa-se!
Estava eu a falar de problemas em França, mas por lá a memória do equivalente, mas mais doloroso do que em Portugal tivemos e que agora a mente me assaltou, mantém-se viva: motivos para que tal aconteça foram criados; ao contrário do que se passa no nosso país, onde por exemplo, e disso o conhecimento é geral, permitimos transformar em condomínio de habitações um edifício que durante décadas constituiu um monstruoso e devastador pesadelo para milhares de famílias portuguesas.
Só no continente, deixemos agora os Tarrafais e outros que tais, ainda sabemos que a polícia dita política possuía e largamente usava como "depósito de presos" - assim se lhes referia - o Forte de Caxias, os Aljubes de Lisboa e do Porto, a Fortaleza de Peniche, as prisões privativas do Porto e de Coimbra; poucos se recordarão destas últimas realidades na Rua do Heroísmo, na Invicta, e na Alexandre Herculano, e não só, na também dita cidade dos doutores.
E aqui chego à pergunta, uma vez mais: onde um condigno memorial que perpetue em nossa lembrança os malfadados ? mas também empolgantes! - momentos históricos que por fim culminariam nos soalheiros dias dos cravos?
Aparentemente fora do contexto, lá volto à velha França, a Paris concretizando melhor é que - além de museus e outros vários memoriais erigidos - por toda a cidade, co-habitando neste momento com vivências a que parecem alheias, pelas avenidas, ruas, becos, largos, subterrâneos, paredes, muros velhos e novos, placas bem visíveis e outros motivos nos fazem recordar - isto é ? não esquecer não só os actos bem sucedidos e com menos dor da sua história milenária mas tantas vítimas da repressão que a população, incluindo no seu seio a Resistência, teve de suportar, especialmente a imposta e aplicada pelo invasor nazi. O que nós, felizmente, não chegámos a conhecer.
Sobre esse último período, de entre centenas, talvez milhares, de placas evocativas daqueles traumas tive ocasião de seleccionar algumas que tomo como representativas de todas elas, bem distantes que se encontrem topograficamente umas das outras, e em locais de significados até inesperados: por exemplo: duas Escolas, uma Biblioteca, o interior de uma estação do Metro, um pequeno largo junto ao Sena, uma gasta parede interna de vetusta igreja católica.
Pode ler-se, e não sem emoção, numa Escola, na Rua dos Hospitalários (irei usar traduções minhas, espero que não falseando significados): "165 judeus desta Escola deportados para a Alemanha durante a segunda Guerra Mundial foram exterminados nos campos nazis. Nunca esqueça."
Uma placa no frontispício duma Biblioteca da Ilha de S. Luis (que era, ao que depreendo, Escola de rapazes em 1942) tem gravado: "À memória dos alunos desta Escola deportados de 1942 a 1944 por terem nascido judeus, vítimas inocentes da barbárie nazi com a cumplicidade activa do governo de Vichy. Foram exterminados nos campos da morte. Não os esquecemos nunca 2 de Outubro de 2004" (sic).
Numa placa junto ao Sena: "Front Nacional do 59 Arrondissement sob os auspício da Mairie, aos heróis das barricadas caídos pela libertação de Paris - Agosto de 1944. (Seguem-se os nomes por ordem alfabética)"
Na parede frontal duma Escola da Rua Avé Maria: "À memória dos alunos desta Escola deportados de 1942 a 1944 porque tinham nascido judeus, vítimas da barbárie nazi e com a cumplicidade do governo de Vichy. Foram exterminados nos campos da morte"
No interior da estação do Metro Château de Vincennes: "À memória dos nossos camaradas do Metropolitano fuzilados pelos alemães no Forte de Vincennes a 22 de Agosto de 1944. (Seguem-se os nomes) mortos pela libertação de Paris."
Numa placa também, no interior da Igreja de S. Etiènne du Mont: "François Besset - Prior - resistente deportado. Versailles 1899 - Mauthausen 1943."
Podemos dizer, e é uma verdade, que em Portugal não sofremos da invasão nazi nem nos respectivos campos de concentração e extermínio agonizámos. Guardemos as proporções. Mas mortos por assassínio deliberado tivemo-los, e não poucos, mulheres e homens, desde o longínquo Tarrafal às celas da metrópole, às salas de tortura dos interrogatórios, ou directamente a tiro em diversas ruas de vilas e cidades, e até no campo.
E uma vez que de toda a saga dos portugueses poucos monumentos nos falam por este país a dentro, será de mais estudarmos agora uma forma, uma solução, que a quem nos visite e aos próprios naturais faça recordar aquela ainda recente fase tão dramática e verdadeiramente histórica das vivências do seu povo, da sua pátria? Ou efectivamente seremos um país desmemoriado, despersonalizado, quem sabe se um dia até olvidado no tempo e sem lugar no mapa?
Na verdade, como diria La Palisse, nós não somos a França...


  
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Edição:

N.º 151
Ano 14, Dezembro 2005

Autoria:

Fernando Miguel Bernardes
Escritor
Fernando Miguel Bernardes
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