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As novas tecnologias a serviço dos permanentes controles (e vice-versa)
Viver em um país como os Estados Unidos significa estar apto a continuamente conviver com (e testar as) novas tecnologias, sobretudo aquelas relacionadas ao controle, à vigilância e à prevenção. Afirmo isto não porque os outros países não sejam pródigos em inventar ou fazer uso delas, mas porque, em função da atual guerra e dos ataques terroristas, aqui tudo parece ser justificável e aceitável. Dias atrás, no aeroporto de Miami, fui surpreendida por uma caixa de metal(1), suficientemente pequena para entrar apenas uma pessoa, em que os ?escolhidos? eram submetidos a um forte jato de ar  que deixava a pessoa com a sensação de que enfrentou um furacão antes de embarcar. Entra-se na tal caixa sem que se saiba exatamente os motivos de tal inspeção, mas com a certeza de que tal controle é para o bem de todos.
As novas tecnologias, particularmente aquelas destinadas a prevenir riscos individuais ou coletivos, parecem ter suas vantagens: evitam a recusa à intervenção e, aparentemente, têm menos chances de erros. Ninguém ousa questionar as possíveis desvantagens, pois parece que os objetos ?inteligentes? vieram para nos salvar e para melhorar nossas vidas.
São tantas as ações realizadas com e através de máquinas interativas, que a sensação que temos é de que não precisamos mais sair de casa para trabalhar, comprar, passear, conhecer pessoas; não precisamos da materialidade dos livros, jornais ou revistas para ler; não precisamos ?estar presentes? para atestar a presença, e assim por diante nestes tempos de máxima compressão espaço-temporal.
Ao mesmo tempo, a substituição das ações pessoais por aquelas das máquinas inclui pesados investimentos em segurança privada individual e coletiva: são incontáveis as tecnologias disponíveis no mercado demonstrando a irreversibilidade do processo de vigilância contínua (os rastreadores de veículos, as câmeras, os satélites, os chips implantados sob a pele(2), os sites da Internet que rastreiam hábitos dos consumidores; os cartões eletrônicos que permitem saber onde a pessoa circulou e o que comprou; as antenas que captam os deslocamentos pelos sinais emitidos pelo telemóvel). O mais impressionante nisto tudo é que nada é imposto; tudo é consensual!
O Big Brother da vida real não permite que nos rebelemos contra as mais de dois milhões de câmeras públicas de vigilância instaladas em Londres (o mais alto índice do mundo), ou com as duas mil de Nova York, ou com as 125.000 de São Paulo, ou com a possibilidade de que os moradores de Washington não possam dar um passo nas ruas sem que seus movimentos sejam monitorados por câmeras controladas, única e exclusivamente, pelo Departamento de Polícia (ZH, 24 fev. 2002).
Ao mesmo tempo, a utilização contínua da tecnologia produz um hipercontrole: nada escapa ao aparato da vigilância, porque tudo, incluindo o vigilante, faz parte de um dispositivo que supervisiona e monitora tudo e todos. As mais simples ações podem ser previstas de acordo com o instrumento tecnológico de que se dispõe, e os riscos de se viver são permanentemente vigiados a fim de que se evitem surpresas desagradáveis.
A tecnose ? dependência das pessoas aos produtos da tecnologia ? é outra das conseqüências deste mundo digital, onde atividades corriqueiras vão se tornando impossíveis sem o auxílio de um equipamento eletrônico, tal como calcular ou escrever à mão, usar um telefone público ou o correio convencional. Quem não tem celular, endereço eletrônico, ou comunicação pela internet está fora da lógica cultural dominante.
Se continuarmos assim, Rossi (2003) supõe que a vida no ano 3.000 talvez nos permita comprar os anos que desejemos viver, substituir partes do nosso corpo por clones, negociar a substituição de nossos órgãos em um mercado livre ou usar os computadores em substituição ao cérebro humano.
Portanto, para além das vantagens que dizem oferecer, talvez devêssemos refletir de uma forma mais sistemática e crítica sobre a vigilância e o controle exercidos através das máquinas. Muitas vezes, tal como um vício, não conseguimos sequer tirar férias sem que computadores portáteis ou telemóveis nos acompanhem. E a nossa dificuldade em dominar o ?vício tecnológico? nos faz reféns (ou nos transforma em seres ?tecno-aprisionados?) daquilo que, dizem, veio para nos ajudar.

Notas:

  1. Refiro-me aqui a um produto da General Eletric chamado Entry Scan, um equipamento utilizado para detecção de explosivos e narcóticos. Maiores informações: http://www.geindustrial.com/cwc/products/ge-interlogix?pnlid=9&famid=5131&catid=562&id=end_wt&lang=en_US
  2. Os chips são do tamanho de uma moeda de um centavo e podem ser embutidos no relógio de pulso, numa fivela de cinto, na argola de um brinco ou implantados sob a pele. São alimentados pela energia gerada pelo próprio corpo. Eles enviam sinais captados por um satélite, a fim de rastrear ou localizar pessoas ou animais.

Referências

  • ROSSI, José Luiz. Como será a vida no ano 3000: o poder de responder às perguntas certas. Classe, Brasil, ano XVIII, n.98, 2003, p.22.
  • ZERO HORA. EUA: Câmeras de segurança se espalham por Washington. Porto Alegre, 24 fev. 2002, p.28.

  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 151
Ano 14, Dezembro 2005

Autoria:

Cristianne Famer Rocha
Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Consultora da Organização Pan-Americana de Saúde (OPS/OMS), em Washington (USA). Colaboradora permanente do jornal a Página.
Cristianne Famer Rocha
Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Consultora da Organização Pan-Americana de Saúde (OPS/OMS), em Washington (USA). Colaboradora permanente do jornal a Página.

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