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Há mais na Educação do que parece

Falam do que presenciam no dia-a-dia. E isso ?deve bastar?, reconhecem, para que as suas opiniões sejam, pelo menos, tidas em conta com a mesma autoridade das veiculadas pelos ?comentadores de serviço que opinam sobre educação, a toda a hora?. Ou sazonalmente. Por alturas de Agosto, a data preferencial para o anunciar das medidas polémicas para o sector. Ou ainda a quando - a sempre tão esperada - divulgação dos rankings das escolas, meses após o inicio do ano lectivo. Sem esquecer a época dos estudos da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económica, objecto também eles de larga discussão mediática. São professoras do Ensino Básico e mostram o lado menos mediático da Educação.

Desagrada-lhe que a opinião pública ? ?informada por uma comunicação social desinformada? ? fique com a imagem de que os professores são ?uns privilegiados?. Palmira Nascimento, 22 anos de serviço, sente-se ?indignada?. É professora do 2º ciclo, na Escola Básica 2º + 3º da Areosa, no Porto e juntamente com outras professoras discutem as problemáticas da profissão quando a elas nos juntamos, na sala de professores.
?O pior é ver o trabalho docente posto em causa por programas onde a pretexto de se discutir a despesa pública lá vem algum economista dizer que os salários dos professores pesam no orçamento de Estado?, constata Palmira Nascimento.
Há uma onda de desprestígio no ar. Que incomoda os professores. Tem origem, dizem, nos sucessivos despachos, que o Ministério da Educação tem enviado para as escolas relativos à questão dos horários. ?E é em parte veiculada pelos media?, especifica Maria Matos, 25 anos de serviço, igualmente professora do 2º ciclo.
Pelo contrário, há outra realidade do quotidiano escolar que tem escapado à divulgação. ?É triste ver o silêncio da comunicação social em relação a certas problemáticas relativas aos alunos e às escolas?, acusa a professora. Por isso a conversa não será sobre as aulas de substituição. Pouco espaço o tema ocupará neste texto.
Algo vai mal no sistema. Mas os professores recusam ter as ?costas largas?. Não há mais espaço para a assumpção de culpas. Falemos do que não estava previsto.
Amélia Vieira, 30 anos de serviço, está completamente rouca. ?Devia ter ficado em casa?? Não o fez. ?Só vim trabalhar porque tenho marcados dois atendimentos a pais??, diz, torcendo o nariz para poupar a voz às queixas. ?O mais certo é eles não aparecerem, mas pode ser que venham??. Essa probabilidade fez a professora de Português do 2º ciclo arriscar piorar o seu estado de saúde.

O insucesso

?A culpa é sempre do professor?, a constatação irónica de Amélia Vieira vem a propósito do insucesso escolar. O tema surge à conversa associado à ideia de que os encarregados de educação  possam estar a ver as aulas de substituição como de apoio.
Helena Barreiro, 25 anos de serviço, professora do 2º ciclo, está particularmente emocionada com o decorrer da conversa na sala dos professores. É uma oportunidade de catarse que nenhuma das professoras que está sentada à mesa da discussão quer deixar escapar.
A professora trás na pasta umas fichas que no inicio do ano deu aos alunos do 5º ano na aula de Português. Mostra-as. Talvez para fazer entender que há mais educação para lá dos rankings das escolas e das discussões sobre os horários dos professores Finlandeses. ?Os alunos que chegam ao 2º ciclo mal preparados são cada vez mais!?, desabafa.
Uma ficha. Um aluno. Não importa o nome. Frequenta o 5º ano. A bold na folha A4 entre muitas perguntas surge esta: ?Quanto tempo demoras a vir para a escola?? Em resposta, o aluno escreve em letra miúda e desalinhada: ?No demoro case nada.? A professora interroga.
Quer ver mais? Outra ficha. Outra pergunta. ?O que queres ser quando fores grande?? Mais uma resposta, digna do espanto e do desanimo da docente: ?Pitor e letesita.? Tradução obrigatória: pintor electricista, para quem não perceber. Há uma tristeza no rosto de Helena Barreiro. De quem não queria ter fichas destas para mostrar. E de quem se sente impotente. Desse sentimento surge a interrogação: ?São fichas de Português, agora diga-me como vou leccionar Inglês a estas crianças??

A falta de afectos

Fala-se em falta de afectos entre pais e filhos. E não são apenas os professores que constatam o fenómeno. Talvez sejam apenas os que mais oportunidades têm de o testemunhar.
Assim constata Eduarda, (nome fictício), professora do 1º ciclo de uma escola Básica do Porto, 30 anos de serviço docente. Sem ter havido um pedido formal ao conselho executivo do agrupamento para a recolha do testemunho assegura-se o anonimato para evitar a repreensão disciplinar.
Num ambiente social onde a maioria dos encarregados de educação é beneficiário do Rendimento de Reinserção ou do subsídio de desemprego, fala-se de educação. Na sala a pequenada, maioritariamente do 2º ano e um aluno estrangeiro do 4º ano, estuda as figuras geométricas. Eduarda, também estranha que em educação quase se fale tão pouco das questões ?realmente importantes?: ?A escola deixou de ser promotora da igualdade e da democracia?, critica. Sobre os problemas que se abatem sobre os seus alunos destaca a ?falta de valores? e a ?carência afectiva?. ?Se eu deixar eles vêm todos dar-me beijos e abraços??
A falta de afectos é a justificação que, mais uma vez, Helena Barreiro encontra para outra das perplexidades que tem tido no seu dia-a-dia escolar. ?Há alunos a quem os pais, separados, não ensinam o nome do outro progenitor e que preenchem a filiação no Bilhete de Identidade com o nome da madrasta ou do padrasto??
Amélia Vieira acrescenta: ?Temos pais a dizer muito aborrecidos: ?Não me diga que o meu filho chega tarde à escola porque eu sei, sou eu que o trago!??
E para que não se pense que estamos a falar de alunos economicamente desfavorecidos, Helena Barreiro esclarece: ?Grande parte destes alunos, que apresentam todas estas carências, têm Playstations e televisão no quarto!?
Toca a campainha. Passou um tempo lectivo e um intervalo a conversa conclui-se. Na agitação das pastas que se retiram de cima da mesa, percebe-se a chamada de atenção firme da voz rouca de Amélia Vieira: ?Tudo isto são questões sociais graves!?


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 150
Ano 14, Novembro 2005

Autoria:

Andreia Lobo
Jornalista, A Página da Educação
Andreia Lobo
Jornalista, A Página da Educação

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