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Aumenta o conhecimento e a tecnologia num mundo cada vez mais desigual, mais pobre e mais violento

No início de Setembro, as Nações Unidas publicaram o «Relatório do  Desenvolvimento Humano 2005». Este documento é uma publicação anual do Programa para o Desenvolvimento das Nações Unidas (PNUD). Trata-se de um recurso fundamental para perceber os avanços e recuos no processo de desenvolvimento e de civilização mundial. Através dele é possível avaliar o que se passa de fundamental em cada país e, naturalmente, no nosso. Vivemos num mundo onde em cada dia morrem 30.000 crianças por causas facilmente evitáveis. Onde as 500 pessoas mais ricas do planeta somam rendimentos superiores aos dos 416 milhões de pessoas mais pobres! Esta imensa, terrível, obscena e criminosa desigualdade é o tema fundamental do Relatório de 2005.

O «Relatório do Desenvolvimento Humano 2005»,  mostra que 18 países, com 460 milhões de habitantes, pioraram o seu nível de vida em relação a 1990. É um exemplo, chama a atenção o relatório, de como se pode perder o desafio mundial que consiste em erradicar a pobreza até 2015, desafio colocado pela ONU em 2000, e aceite por 189 Estados, nos chamados «Objectivos do Milénio».
O relatório do PNUD mostra que 2.500 milhões de pessoas sobrevivem no nosso mundo com menos de dois euros por dia, ou seja, 40 por cento da população mundial obtém apenas 5 por cento das receitas, enquanto que os 10 por cento mais ricos ficam com 54 por cento.
Esta desigualdade mundial fica patente num simples cálculo: «Sob o pressuposto (conservador) de que as 500 pessoas mais ricas ? têm um rendimento superior a 5 por cento dos seus activos, o seu rendimento é mais alto do que o das 416 milhões de pessoas mais pobres». O rendimento médio destas 416 milhões de pessoas é de meio euro por dia enquanto o rendimento médio das 500 pessoas mais ricas é de 212 milhões de euros por ano. A população restante (50%) distribui entre si os 41 por cento da riqueza mundial sobrante.
O relatório mostra enormes contrastes em todos os domínios da vida. Fica mais uma vez claro o enorme prejuízo para a humanidade que acarreta o facto de o mundo continuar a ser dominado por uma lógica económica baseada exclusivamente no lucro e no interesse individual seja de pessoas seja de estados.
Registam-se pequenos avanços e grandes recuos. Nos últimos quinze anos, 130 milhões de pessoas saíram da pobreza extrema (um euro por dia). Morrem agora menos dois milhões de crianças por ano. A escola é frequentada por mais 20 milhões de crianças. E 1.200 milhões de pessoas já têm acesso a água potável.
Estes pequenos avanços, quando considerados à escala mundial, são postos em perigo por outros factores. Para nossa vergonha e desespero, dez milhões de crianças morrem por ano por doenças simples e evitáveis (44% em África). Cento e quinze milhões de menores continuam sem direito a frequentar uma escola. Mil milhões de pessoas não têm acesso a água potável e 2.600 não têm acesso a saneamento básico.
O não cumprimento dos «Objectivos do Milénio» terá um custo humano terrível. No que diz respeito à infância significará a morte adicional de mais 4,4 milhões de crianças (três vezes a soma das crianças com menos de cinco anos que vivem em Londres, Nova Iorque e Tóquio)! Das crianças sobreviventes,  47 milhões, a maioria meninas, não terão direito a escola. Por outro lado, não cumprindo os «Objectivos do Milénio» mais 380 milhões de pessoas serão condenadas a ter de viver com menos de um euro por dia.
"Os Objectivos do Milénio são um compromisso, firmado por 189 países com os pobres do mundo. Termina dentro de 10 anos, e, sem uma alteração completa de atitudes e de vontade política, nada se conseguirá", diz Kevin Watkins, coordenador do relatório.
O relatório mostra que «o mundo tem o conhecimento, os recursos e a tecnologia para terminar com a pobreza extrema, mas o tempo está a esgotar-se», sublinha, o Administrador do PNUD, Kemal Dervis. A conclusão a tirar é a de que a situação só poderá mudar se as relações comerciais a nível mundial deixarem de beneficiar apenas a parte mais rica e se a ajuda internacional dos poderosos aos mais pobres aumentar sem paliativos.
O mundo de hoje está menos solidário do que em 1990. Os países ricos disponibilizam actualmente apenas 0,25 por cento do PIB para a cooperação, um valor mais baixo do que o disponibilizado em 1990. Os dados do relatório do PNUD deixam-nos perceber que 1.000 milhões de pessoas poderiam «superar o limiar da pobreza extrema de um euro com uma ajuda de 240.000 milhões de euros, o que representaria apenas 1,6 por cento do rendimento dos 10 por cento mais ricos do mundo. Dito de outra maneira, se os 10 por cento mais ricos abdicassem de 1,6 por cento do seu rendimento anual poderiam retirar da pobreza extrema 1.000 milhões de pessoas.
As relações entre pessoas ricas e pobres são em primeiro lugar uma questão moral e implicam uma mudança no campo da ética. Sem uma alteração profunda da consciência dos mais ricos, com reflexos nas organizações internacionais, não veremos alterar as regras que pautam as relações entre ricos e pobres. Os ricos continuarão a usar o poder de que dispõem para acumular mais riqueza não ajudando, antes explorando violentamente, os mais pobres.
Actualmente, os países ricos praticam o proteccionismo dos seus próprios mercados, particularmente no sector agrícola, e impedem que os países pobres tenham acesso aos mercados do mundo desenvolvido. "Normas mais justas no comércio internacional podiam dar um forte impulso para a consecução dos Objectivos do Milénio". Deste modo, o PNUD pede "uma proibição obrigatória de todos os subsídios directos às exportações o mais tardar até 2007".
A leitura do «relatório do desenvolvimento humano» leva-nos a concluir que a barbárie lavra mais no campo dos ricos do que dos pobres. Os dados deste relatório mostram-nos à saciedade que o mundo, sobretudo aquele que se considera mais evoluído e mais civilizado, é mais bárbaro do que civilizado. E mostra que regressamos à barbárie, à crueldade e à imoralidade na razão directa em que se acentua o neoliberalismo e o poder absoluto do dinheiro e do lucro. Cabe-nos também a nós professores dar aos alunos informação rigorosa sobre os caminhos e descaminhos do mundo. Só conhecendo e percebendo se pode experimentar mudar.

Nota:
O relatório completo pode ser descarregado da Internet em: http://hdr.undp.org/reports/global/2005/
Mais dados: ver página 40 deste número


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 150
Ano 14, Novembro 2005

Autoria:

José Paulo Serralheiro
Professor e Jornalista. Director do Jornal a Página da Educação.
José Paulo Serralheiro
Professor e Jornalista. Director do Jornal a Página da Educação.

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