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A cultura de desresponsabilização e o monstro

Enquanto o país ardia literalmente, assistíamos a declarações televisivas altamente constrangedoras e desresponsabilizantes, sobretudo, provenientes de dirigentes de clubes de futebol nacional.
De há uns anos a esta parte, o futebol joga-se mais fora das quatro linhas do que lá dentro, por duas razões: por um lado, cada vez se joga menos futebol, ou seja, cada vez se joga pior este bonito desporto; por outro lado, as declarações bombásticas, patéticas e anedóticas de alguns dirigentes desportivos e também de alguns jogadores levam a que se dê mais valor ao que se passa cá fora do que ao que se passa lá dentro.
E veja-se o que se passou muito recentemente em relação ao ?caso Miguel? e às declarações (!) do presidente do Sporting Clube de Portugal, Dias da Cunha. A atitude do jovem jogador foi humilhante e repugnante. Mas a atitude deste jogador logo após o ?pedido de desculpas? foi ainda mais condenável e ?canalha?, ao dizer que tinha lido o documento pois foi esse o acordo entre os clubes. Se os clubes tivessem acordado no jogador ?atirar-se ao poço?? Foi pior a ?emenda que o soneto?!
Mas, devido à idade e ao seu ?estofo?, as declarações do presidente do clube que ?melhor futebol pratica em Portugal? (pelos menos desde que ele é presidente?) resolveu abrir a boca e? saiu asneira. Desde logo, insultou o jovem jogador, Polga, atribuindo-lhe o epíteto de ?menino? que, certamente, não foi nada do agrado do injuriado. Ao dizer isto quis publicamente desculpabilizar e desresponsabilizar um jogador a quem foi dada pelo mais alto responsável deste clube a legitimidade de ?tornar a pecar? pois, enquanto for ?menino? tudo é desculpável. Não se exigia que o presidente do clube de Lisboa viesse crucificar este talentoso jogador. Pedia-se a Dias da Cunha que não fosse ridículo, pelo menos publicamente, ao proferir livre e espontaneamente declarações que só lhe ?ficam mal? e desautorizam o treinador de futebol, a quem este jogador desrespeitou.
Não contente com este triste episódio, este alto dirigente do clube ?mais prejudicado pelos árbitros? resolveu deslocar-se a Itália, pois ?tinha a certeza que o Sporting iria chegar à Liga dos Campeões?, pelo que viu em Alvalade. A isto chama-se ?deitar foguetes antes da festa? o que por vezes, dá mau resultado. Em ambos os desafios a equipa italiana venceu, foi superior e, no final da 2ª mão, Dias da Cunha diz o seguinte: ?o Sporting perdeu a eliminatória em Alvalade?. Fantástico! Mas, se assim foi, que terá ele ido fazer a Itália se sabia que, desde Alvalade, já estava tudo perdido?! Mais uma vez, como é seu costume quando a sua equipa perde, a ?culpa é do árbitro? e torna a desresponsabilizar e desculpabilizar os jogadores respectivos, os grandes culpados do afundamento deste clube de Lisboa que, agora, internacionalmente, vai dedicar-se à penosa taça UEFA. Com dirigentes assim podemos ter melhor futebol? Com dirigentes assim, que aprenderão os nossos jovens? E depois são estas pessoas que dizem mal ?deste país?, quando deviam era dizer mal delas próprias ou, pelo menos, estarem caladas, altura em que fariam um ?grande discurso?. E depois falam no ?monstro?? que elas próprias criaram.
No meio desta intensa confusão, fica uma palavra de apreço e muita admiração para um Homem que cada vez mais aprecio enquanto treinador: José Peseiro. O treinador do Sporting é o equilíbrio e o sustento deste clube. Não fosse ele e o clube verde e branco já estaria, há muito, na ?mó de baixo?. É uma pessoa com um discurso fluente, perceptível e sério, só assim conseguindo a admiração dos jogadores, mesmo dos ?meninos?, e da exigente massa associativa que cada vez está mais zangada com o seu presidente. E, ou muito me engano, ou vamos ter em breve uma ?chicotada psicológica? ao nível dos dirigentes. Falem menos (e bem!) e trabalhem mais (e bem!). O desporto-Rei agradece!


  
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Edição:

N.º 149
Ano 14, Outubro 2005

Autoria:

Filinto Lima
Professor, Oliveira do Douro
Filinto Lima
Professor, Oliveira do Douro

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