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A Universidade e as questões do género

A temática em torno das questões do género continua a estar na agenda do dia, e a necessitar de reflexão. Em Portugal, o país em que o poeta Ruy Belo dizia nada acontecer, parece, inevitavelmente condenado a isso mesmo, porque, apesar de alguns sinais parecerem indiciar algumas mudanças, elas não acontecem, de facto, pelo menos, de forma muito significativa. Proponho, então, uma reflexão em torno de um tema que, tendo como especial enfoque as mulheres como docentes no ensino superior não lhes diz unicamente respeito. Diria antes que abrange homens e mulheres. Ele trata do impacto das mudanças que se operaram nas universidades e o que elas representam para os académicos, em geral, mas em particular para as mulheres. Esta análise poderá ser alargada, naturalmente, a outros campos da vida social.
Se nos debruçarmo-nos sobre mudanças que ocorreram com a chegada do empreendedorismo, constatamos que a universidade tende a ser orientada por regras do mercado ou quase-mercado, com tónica na competitividade, produtividade, racionalização de custos, negociação, avaliação, investigação que traga vantagens e atracção de alunos (Magalhães e Amaral, 2001). Esta  perspectiva, denominada por investigadores internacionais como managerialista(1) assume contornos específicos no caso português dada a situação política económica e social a que o país esteve sujeito durante o longo período de regime ditatorial (Santiago e Carvalho, 2003).
Neste contexto, ao  abordarmos a evolução da presença das mulheres docentes no ensino superior, ao longo de três décadas (a partir de 1970) constatamos o seguinte: existência de uma evolução crescente, facto esse que está relacionado com o aumento do número de alunas e respectivas taxas de sucesso na conclusão dos cursos; forte concentração em áreas onde também melhor estavam representadas como alunas; localização predominante em áreas especialmente orientadas para o ensino e as mais desvalorizadas na carreira docente do ensino superior; fraca localização nas áreas de engenharia; localização em patamares inferiores relativamente à situação profissional na carreira académica; fraca representação na investigação, principalmente em áreas ligadas à ciência e à tecnologia, ainda que o número de mulheres doutoradas tenha vindo a aumentar.
Tudo isto nos leva a concluir que as mulheres, recém-chegadas ao meio académico como docentes, têm vindo a acentuar a sua participação, embora estejam muito aquém relativamente ao grupo masculino (Amâncio e Ávila,1995). Daí concluir-se que há dificuldades acrescidas para as mulheres no acesso aos lugares de topo da carreira académica, marcadamente definida pelo género masculino (Canço e Castro, 2000). Muitas dessas dificuldades estão já diagnosticadas, mas muito pouco se tem feito para promover a existência de uma verdadeira equidade na academia. Poder-se-á mesmo antever, com a mudança de paradigma de universidade que a situação se torne ainda mais desfavorável para as mulheres. 

Nota:
Termo que traduz um conceito, ligado às ideias acerca das mudanças nos modos como as instituições passam a ser geridas nas sociedades ocidentais, copiando formas de gestão dos meios empresariais (Deem, 2001:10).

BIBLIOGRAFIA

  • AMÂNCIO,Lígia e ÁVILA, P. (1995)? O Género e a Ciência? in J. Jesuíno (coord): A Comunidade Científica Portuguesa nos finais do Século XX. Lisboa: Celta Editora.
  • CANÇO, D. e CASTRO, I.(2000) (orgs.) Situação das Mulheres em Portugal 1999. Lisboa: Comissão para a Igualdade e para os Direitos das Mulheres, Gabinete da Ministra para a Igualdade, Presidência do Conselho de Ministros.
  • DEEM,R.(2001)?Globalization, New Managerialism, Academic Capitalism and Entrepreneurialism in Universities: is the local dimension still important??, Comparative Education, vol. 37 (1) p.p. 7 - 20..
  • MAGALHÃES, António; AMARAL, Alberto (2001) ?On Markets, Autonomy and Regulation The Janus Revisited?, in Higher Education Policy. Londres: Pergamon Press.
  • SANTIAGO, Rui e CARVALHO, Teresa (2003) ?Effects of managerialism in the perceptions of Higher Education in Portugal? documento policopiado apresentado à 16º Conferência do CHER no Porto.

  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 149
Ano 14, Outubro 2005

Autoria:

Arcelina Santiago
Professora e consultora de formação. Licenciada em Filologia Germânica pela FLUP. Pós-Graduação em Ciências da Educação e mestre em Ciências Sociais, Políticas e Jurídicas pela UA.
Arcelina Santiago
Professora e consultora de formação. Licenciada em Filologia Germânica pela FLUP. Pós-Graduação em Ciências da Educação e mestre em Ciências Sociais, Políticas e Jurídicas pela UA.

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