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Seriedade precisa-se...

Porque é que o referido jornal não destaca, em título de primeira página, estes dados? Porque é que ignora outras conclusões do relatório onde se comprova, ao contrário do que muitos andam por aí a apregoar, que os professores portugueses estão entre os mais mal pagos dos países que integram a OCDE ?

No «Notícias», o Jornal de Notícias, o título do dia  «Semana dos professores tem 21 horas» replicava uma das conclusões de um estudo da OCDE.
Um estudo onde se anuncia que Portugal se situa no 17º lugar, entre os 30 países dessa organização, no que diz respeito às despesas em educação por aluno. Gasta-se em média 4900 euros com cada um dos nossos estudantes, enquanto, nesses países, a média dos gastos ronda a casa dos 5980 euros. Um investimento que nos coloca no 14º lugar do relatório elaborado pela OCDE onde se demonstra que a percentagem do orçamento público dedicado à educação é, hoje, inferior à média dos países avaliados, depois de cinco anos de convergência, entre 1996 e 2001, com o PIB destes mesmos países.
É neste relatório, também, que se demonstra que um dos maiores problemas de Portugal tem a ver com o facto de nos encontrarmos no último lugar da lista dos países em questão, no que concerne ao nível de escolaridade daqueles que hoje se encontram no escalão etário situado entre os 25 e os 34 anos, embora as expectativas face às gerações mais jovens nos coloquem numa situação bem mais favorável.
Porque é que o referido jornal não destaca, em título de primeira página, estes dados? Porque é que ignora outras conclusões do relatório onde se comprova, ao contrário do que muitos andam por aí a apregoar, que os professores portugueses estão entre os mais mal pagos dos países que integram a OCDE ?
Seriedade precisa-se, igualmente, por parte daqueles que se encontram a gerir o Ministério da Educação. A seriedade necessária para assumirem medidas capazes de gerar resultados a médio / longo prazo e que nada têm a ver com o estilo de governar-para-a-fotografia que parece imperar para os lados da 5 de Outubro. Admite-se até que há decisões de carácter impopular que terão que ser implementadas. Não cremos, todavia, é que tais decisões obriguem à adopção de estratégias de desqualificação pública dos professores. A campanha em curso suscitada pelo aumento da carga horária lectiva docente, a pretexto da regulamentação da sua actividade extra-lectiva, aí está para demonstrar que esta equipa ministerial sacrifica os professores no altar de uma política populista e inconsequente. Se é uma medida táctica conveniente quando se pretende agradar a uma opinião pública massificada e acrítica que uma opinião publicada genericamente narcísica, preconceituosa e, por vezes, algo leviana, também vai ajudando a alimentar, acaba por se revelar contraproducente quando se sabe que um número significativo de professores portugueses não precisa de trabalhar mais com os seus alunos, mas de trabalhar melhor, ou seja de trabalhar de forma mais intencional, mais esclarecida e mais fundamentada. Certamente que, por esta razão, os professores terão que passar mais tempo nas escolas, não necessariamente a desenvolver outras actividades com os seus alunos, acrescentando novas oportunidades educativas às já existentes, mas a trabalhar entre si e com a comunidade envolvente, de forma a contribuir para que tais oportunidades sejam efectivamente transformadas em oportunidades educativas. O que o Ministério da Educação pode e deve exigir às escolas e aos seus professores é que cumpram a sua parte no que concerne ao mandato educativo que lhes foi confiado. Como o farão é algo que esse mesmo ministério não poderá determinar. Compete às escolas e aos professores conceber, implementar e monitorizar as acções e os meios através dos quais  decidem investir na educação dos seus alunos. Compete-lhes também prestar contas pelo trabalho desenvolvido e exigir que outros, nomeadamente o próprio Ministério, assumam o seu papel neste âmbito. Estará a equipa liderada por Maria de Lurdes Rodrigues interessada em promover um projecto de uma Escola subordinado aos parâmetros sumariamente enunciados? E se estiver, será que compreende que não é imolando os professores aos conselhos dos marqueteiros que garante os resultados que todos dizem desejar? Será que tem coragem política para recusar tal sacrifício? Será que não entende que a desqualificação social dos professores inviabiliza o desenvolvimento de um tal projecto?
Seriedade precisa-se, finalmente, por parte dos professores quer individualmente quer no seio dos colectivos docentes onde partilham os seus quotidianos profissionais quer, ainda, ao nível das suas associações sindicais e pedagógicas, de forma a poderem assumir, aí, as suas responsabilidades políticas, sociais, culturais e educativas, não delegando noutros actores e noutras instâncias nem a sua vez nem a sua voz. Uma vez e uma voz que, mais do que servir para construir espaços profissionais insulares, permitam contribuir para a emergência de lugares de comunicação onde educadores e professores possam estar presentes, a seu modo e de corpo inteiro, de forma a ampliar a sua capacidade de decisão e de intervenção nas salas de aula, nas escolas e no país. A não ser assim, de que serve queixarmo-nos de todos os ministros que hoje, para governar, estão mais atentos às feiras de opinião que os Marcelos Rebelos de Sousa e os António Vitorinos deste país vão animando de forma mais ou menos ruidosa? De que nos serve queixarmo-nos da insolência dos Belmiros de Azevedo e dos Ludgeros Marques se decidimos prescindir da nossa vez e da nossa voz ?


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 149
Ano 14, Outubro 2005

Autoria:

Ariana Cosme
Fac. de Psicologia e Ciências da Educação, Univ. de Porto
Rui Trindade
Faculde de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto
Ariana Cosme
Fac. de Psicologia e Ciências da Educação, Univ. de Porto
Rui Trindade
Faculde de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto

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