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Planear sempre, para não excluir. Planear para não excluir, sempre.

Os olhares desconfiados durante as reuniões, as caras de desânimo e os comentários irónicos pelos corredores da escola são expressões claras da impressão que se tem: ?se o ano passado correu bem, qual é o problema em fazer igual neste ano??, ?para que planear se eu já sei o que tenho que dar??, ?para que perder tempo se, no final das contas, sempre acontecerá algum imprevisto que vai levar por água abaixo tudo aquilo que eu tinha preparado??.

O começo do ano lectivo nos remete sempre ao mesmo assunto: o planeamento. Via de regra, este é o período em que as escolas seguem o ritual das reuniões, dos encontros, dos momentos de reflexão sobre o que se vai passar nos meses a seguir. Param durante três, cinco, dez dias (quando tanto) e, neste tempo, tentam programar os cento e muitos dias lectivos que restam até o final do ano. Agendam duas ou três reuniões de ?avaliação contínua?, uma de ?avaliação final? e pronto. Missão cumprida.
Os olhares desconfiados durante as reuniões, as caras de desânimo e os comentários irónicos pelos corredores da escola são expressões claras da impressão se tem: ?se o ano passado correu bem, qual é o problema em fazer igual neste ano??, ?para que planear se eu já sei o que tenho que dar??, ?para que perder tempo se, no final das contas, sempre acontecerá algum imprevisto que vai levar por água abaixo tudo aquilo que eu tinha preparado??.
Por sorte, cada vez mais as escolas se pautam pelo paradigma da inclusão e se distanciam deste modelo de planeamento, cunhado por uma concepção tradicional e excludente de educação. Uma análise mais cuidadosa apontaria inúmeros problemas gerados por este tipo de procedimento e, até mesmo, concluiria que isso não é sequer planear.
Um dos problemas que se aponta é que, quando o planeamento da escola (ou do curso, ou da série) é feito em momentos estanques e o programa de um professor é definido isoladamente dos seus pares, o cenário resultante é pouco animador. Alguns poucos percursos para atingir o(s) objectivo(s) ficam já traçado antes de o caminho ser percorrido, excluindo as pessoas e as situações que venham a surgir no meio da jornada. Daí, parece óbvio que qualquer mínimo imprevisto se transforme mesmo num balde de água fria.
Nas escolas inclusivas, uma das características essenciais é o ?uso de modelos efectivos de planeamento e de práticas de sala de aula? (vide Lima, L.; Jornal ?a Página?, Junho 2005). Por contarem com a imprescindível presença dos docentes na escola em horário não-lectivo, estas escolas concretizam a prática do planeamento contínuo e elaborado no conjunto dos professores. O apoio dos pares e o repensar contínuo da prática permite, a curto prazo, planear novas formas de intervenção junto aos alunos com NEE; a longo prazo, permite repensar metas de inclusão que, por vezes, são previstas para além do próprio tempo da gestão em vigor. Em qualquer dos casos, o que fica patente é que é necessário planear sempre, para não excluir.
Um outro problema está ligado ao planear sem ter em consideração as características dos educandos. Neste caso, a determinação de conteúdos e a opção por metodologias e estratégias são condizentes apenas com os alunos ditos ?normais?. Ora, este tipo de procedimento exclui, de antemão, todos aqueles que ? por serem super ou sub-dotados, por pertencerem a uma cultura ou uma língua diferente, por apresentarem uma condição de deficiência ? possuem Necessidades Educativas Especiais.
Mais uma vez, as escolas inclusivas rompem com este privilégio exclusivo à massa mediana da população escolar, apostando numa prática efectiva de sala de aula. Um planeamento contínuo, reflexivo e crítico permite ao professor estabelecer práticas que contemplem a participação equilibrada dos seus alunos, além de facilitar a diferenciação de estratégias de ensino e a organização da aprendizagem em diferentes grupos cooperativos. Com isso, o professor pode optar por trabalhos individuais ou em duplas ou grupos, divididos: a) por níveis parecidos, diferentes ou aleatórios de rendimento, b) por interesse, c) por projecto, d) por afinidade ou e) aleatoriamente.
Acontece que, muitas vezes, o professor pensa que não precisa de preparar as suas aulas, confundindo ?planeamento flexível? com ?registo da prática?. Para ele, é só entrar na sala, continuar o que vinha abordando na aula anterior e, se for o caso, basta tirar alguma carta da manga para o que precisar. Esquece-se, porém, que só podemos ?tirar as cartas? se as tivermos posto na manga antes do show começar. Por isso, é importante que o professor encha suas mangas de cartas, ou seja, planeie constantemente de molde a variar as práticas e o tipo de formação e de membros dos grupos, a fim de que todos os alunos estejam incluídos nas actividades. Se considerarmos que não são absolutamente todos os alunos que estão incluídos em 100% das tarefas, pelo menos ele tem a possibilidade de organizar uma rotatividade entre os eventualmente excluídos.
Certa vez, numa acção de formação sobre planeamento e inclusão da qual participei, o prelector sugeriu com veemência aos alunos (professores e futuros professores) que fixassem um cartaz bem visível, na parede em frente ao sítio onde costumam fazer os seus planeamentos, escrito com letras garrafais: ?QUEM É QUE ESTE PLANEAMENTO ESTÁ A EXCLUIR??
Talvez se colocássemos em prática este desafio seria muito mais fácil adoptar o lema ?planear para não excluir, sempre?, e pô-lo em prática, efectivamente.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 149
Ano 14, Outubro 2005

Autoria:

Luzia Lima-Rodrigues
Centro Unisal, Brasil. Instituto Piaget, Portugal
Luzia Lima-Rodrigues
Centro Unisal, Brasil. Instituto Piaget, Portugal

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