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Aprender com a História

É imoral, política e eticamente reprovável
a atitude do presidente do governo regional da Madeira
ao sacudir a água do capote
das responsabilidades políticas,
conhecendo ele,
muitos textos publicados,
há mais de vinte anos,
sobre a perigosa e inconsequente orientação
que entendeu dar aos sistemas educativo e desportivo.

Sem rodeios: o Governo da Região Autónoma da Madeira está entalado. E quem o entalou foi o próprio Conselho Desportivo da RAM ao propor, em vários domínios, mudanças substanciais na política desportiva. Li e reli o resultado do trabalho desenvolvido pelas comissões criadas no âmbito do citado Conselho. Discordo de algumas passagens mas tiro o chapéu a outras posições assumidas. Discordo, por exemplo, desta pérola no quadro da formação: ?(...) valorizar e confirmar o papel preponderante que a Educação Física tem, enquanto disciplina curricular, na formação integral do jovem, praticante ou não, considerada nas suas vertentes humana, social, ética e motora?. E discordo porque, genericamente, apesar do empenho dos professores, a Educação Física não é nada daquilo que foi escrito e tampouco, por extensão, pode ser considerada como o motor de uma prática desportiva para a vida. Se assim fosse, embora não dependa apenas da escola, não estaria o País e a Região confrontados, no contexto europeu, com uma ridícula taxa de participação. Reafirmo-o em defesa dos professores, dos sistemas educativo, desportivo e de saúde, da juventude e do futuro. Mas há quem, por incompreensível fundamentalismo ou alegado corporativismo, não aceite, sequer, debater e reflectir sobre o que tantos investigadores já concluíram e propuseram relativamente à indisfarçável crise de identidade e de afirmação social daquela disciplina curricular. Haveria, certamente, lugar à esperança, se os conselheiros tivessem assumido que, na Escola, era tempo de dizer não a esta Educação Física travestida de desporto, essencialmente física, e propusessem a mudança de paradigma curricular (Educação Desportiva), subordinada, naturalmente, a um novo sentido organizacional, programático e pedagógico, no quadro da Ciência da Motricidade Humana. Na esteira do investigador Manuel Sérgio, a pergunta surge óbvia: ?(...) que tipo de pessoa quero eu que nasça desta aula (ou deste treino)??. Hoje, não é clara a resposta.
Discordo, repito, entre outros de menor importância, daquele posicionamento dos conselheiros, mas concordo com muitos outros aspectos. Por exemplo:

  • Desporto federado menos dispendioso e mais rendível.
  • Maior investimento no desporto de recreação e lazer.
  • Diminuição do número de equipas madeirenses na competição nacional e aumento do quadro competitivo regional.
  • Uma melhor interface entre os Sistemas Educativo e Desportivo.

Estes quatro pontos (válidos para todo o espaço português), se neles o governo depositasse atenção, compaginando-os com a mudança de paradigma na Educação Física e no Desporto Escolar, revolucionariam por completo as orientações políticas. A Madeira reencontraria o caminho seguro do crescimento e do desenvolvimento desportivo. Só que estas propostas dos conselheiros têm já dois anos e jazem numa qualquer empoeirada gaveta do governo. E lá vão ficar algum tempo mais segundo se deduz de recentes declarações do presidente do governo.
Trata-se de um grave erro protelar as actuais características dos sistemas educativo e desportivo. A peça jornalística do DN-Madeira, de 14.07.05, interpretando o sentimento dos conselheiros, afirmava que o documento continha ?propostas para salvar o desporto regional de uma morte (quase) anunciada?. Não tenho dúvidas sobre isto. As falências ou, no mínimo, a substancial redução da actividade, aí estão para desespero do movimento associativo que, empurrados pela conjuntura, vêem agora o logro em que caíram. Por isso, é imoral, política e eticamente reprovável a atitude do presidente do governo ao sacudir a água do capote das responsabilidades políticas, conhecendo ele muitos textos publicados, há mais de vinte anos, sobre a perigosa e inconsequente orientação que entendeu dar aos sectores em causa. Fez ouvidos de mercador enquanto propagandeava que a sua política visava afastar os jovens de comportamentos inadequados. O resultado não poderia ser mais catastrófico: aumento exponencial e de difícil controlo da toxicodependência, criminalidade jovem preocupante, elevada taxa de analfabetismo e de abandono escolar, clubes sem solução financeira para as megalómanas responsabilidades contraídas, uma baixíssima taxa global de participação desportiva onde se inclui a inexpressiva taxa de participação desportiva escolar, substanciais atrasos na transferência de verbas acordadas, contratualização de quase trezentos atletas estrangeiros e continentais, verbas transferidas para contas pessoais (segundo apurou o Tribunal de Contas) enfim, um mundo de enganos só contrabalançado (?) com presenças nacionais, internacionais e olímpicas. Só que, isso, porque é efémero e não sustentado, pouco ou nada transfere para o futuro. Há países de pobreza e fome extrema que ostentam campeões olímpicos. Pergunto, de que lhes valeu essa aposta na visibilidade política nacional e internacional? De que lhes valeu um hino e uma bandeira, por momentos, subindo a um mastro? De muito pouco, para além dos interesses políticos mediáticos em jogo, obviamente.
Há que aprender com a História... e com as erradas apostas políticas da Região Autónoma da Madeira.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 149
Ano 14, Outubro 2005

Autoria:

André Escórcio
Mestre em Gestão do Desporto. Professor do Ensino Secundário, Funchal
André Escórcio
Mestre em Gestão do Desporto. Professor do Ensino Secundário, Funchal

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