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"Sem um debate sério sobre os conhecimentos que a escola deve transmitir, tudo cabe no currículo"

João Paraskeva professor do departamento de currículo e tecnologia educativa da Universidade do Minho, alerta:

Tem ?dificuldades políticas? em aceitar que a forma se sobreponha ao conteúdo quando se fazem reformas do sistema educativo em Portugal. Defende um ?debate sério, profundo e político sobre os conteúdos da escolarização? sob o risco de o currículo continuar a ser visto como ?um conjunto de somas e subtracções?. Onde tudo cabe e nada é questionado. João Paraskeva, professor do Departamento de Currículo e tecnologia Educativa da Universidade do Minho, foi um dos organizadores do congresso ?Multiculturalismo e Currículo? que em Abril decorreu em Mangualde. À Página, Paraskeva retoma algumas das temáticas que estiveram em discussão. 

?Ou se questionam quais são os saberes que a escola deve transmitir e como o deve fazer, ou estaremos apenas a trabalhar questões de forma hipotecando constantemente as de conteúdo.? É neste ponto que Paraskeva insiste sempre que fala em currículo. A certeza de que ?a questão da forma silencia a dos conteúdos? leva o professor a considerar que ?na educação não é grave que não haja respostas, mas sim que se perca a capacidade para questionar?.
Daí, insiste Paraskeva, a importância de por fim à ideia de que tudo pode ser incluído no currículo antes de uma discussão a jusante. Até porque, diz, ?existem mudanças que importa questionar?. Como o ensino do inglês no 1º ciclo do ensino básico, que Paraskeva considera ser ?mais um acréscimo à forma do currículo? sem que o conteúdo seja debatido. Ou a criação de dois ciclos de seis anos para o ensino básico e o secundário sem que se questionem os conteúdos programáticos e até mesmo o modelo de avaliação. ?Sem um debate sobre os conhecimentos que a escola deve transmitir e como os avaliar, é tudo válido no campo da problematização e tudo cabe no currículo, sejam as novas tecnologias, o inglês no 1º ciclo, ou o português como língua estrangeira?, conclui Paraskeva.

Multiculturalismo

Associada à questão do currículo, o multiculturalismo, foi outro dos temas em debate em Mangualde. Também a este nível a posição de Paraskeva é crítica dizendo que o multiculturalismo, no sistema de ensino português, se ?limita a ser um somatório de culturas?.
?O que se tem visto em Portugal, e noutros países, é uma vontade de aculturar sob a capa do multiculturalismo?. A prova desta situação, adianta Paraskeva, está no facto de o currículo multicultural não ser sensível à dinâmica da linguagem. ?É algo que não se entende até pelo potencial linguístico que cada língua tem.?
?Multiculturalismo não significa abrir um espaço [seja na educação ou no currículo] para o outro poder ser eu, mas para o outro poder ser ele sem que haja perda de identidades.? Para Paraskeva o aumento de alunos imigrantes no sistema de ensino português é uma realidade que não pode ser ignorada. ?Em Viseu existem duas escolas em que 90% dos alunos são de comunidades de Leste?, revela o investigador. Por isso, diz: ?Não podemos contentar-nos em dizer que o imigrante é tratado de uma forma igual, aprende o português como língua estrangeira e vai ter acesso a tudo a que um aluno português teria?. Se assim for, questiona Paraskeva, ?onde se inscreve a preocupação do português em compreender a cultura do imigrante??
 
Conteúdos

Outra questão incontornável quando se trata de conteúdos é falar de manuais e do currículo comum.
?Como é que o governo pode permitir que uma editora em Portugal domine mais de 50% do mercado dos manuais??, questiona Paraskeva, referindo-se à Porto Editora. ?Estas discussões têm de ser problematizadas?, sublinha recordando que ?mesmo nos EUA, o governo impediu Bill Gates e a Microsoft de ter o monopólio no domínio do software em relação à Internet?.  
Além disso, ?nem a escola nem os manuais são imparciais? critica Paraskeva. Porque ?contam apenas metade da história?. Omitidos dos currículos estão, por exemplo, ?os relatos da barbárie de Colombo e da sua armada, quando da chegada à América, escritos pelo punho do próprio?. Tal como ?a desvinculação da Índia da celebração dos 500 anos dos Descobrimentos?, um acontecimento que Paraskeva lamenta apenas ter sido veiculado ?como notícia? e não se tivesse discutido sobre a questão. ?Imagino que haja docentes que sensibilizam os alunos para estas questões mas fazem-no não porque isso esteja no manual?, conclui.


  
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Edição:

N.º 146
Ano 14, Junho 2005

Autoria:

Andreia Lobo
Jornalista, A Página da Educação
Andreia Lobo
Jornalista, A Página da Educação

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