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Aboliram a prova! Como é que vou avaliar agora? Reflexões sobre a avaliação realizada no cotidiano escolar

Uma grande confusão em relação à avaliação foi quando aboliram a prova. As professoras ficaram perguntando: ?e agora, como é que eu vou avaliar??.

A organização da escola em ciclos tem se mostrado, nas escolas públicas brasileiras, uma tentativa de reordenação da cultura escolar, criando inúmeras questões a cerca do trabalho pedagógico. Uma delas tem sido a abolição da reprovação já que reprovar na proposta de ciclos não encontra consistência por haver um rompimento com a idéia de que o ?avanço? da criança só se dá a partir de um certo domínio de conteúdos pré-definidos por séries.
Sabemos que a escola seriada faz parte da cultura de nossa sociedade e da história de nossas escolas. Não podemos negar que é a série que nós conhecemos, que é a idéia da seriação que atravessa nosso imaginário quando nos remetemos à escola. A prova, o teste, a nota também fazem parte deste imaginário. O discurso de que a avaliação deixou de existir porque a prova e a nota foram extintas, com o sistema de ciclos, vai ganhando força na medida em que a escola tem que se reestruturar para ?atender? as solicitações colocadas na proposta de reorganização.
Uma grande confusão em relação à avaliação foi quando aboliram a prova. As professoras ficaram perguntando: ?e agora, como é que vou avaliar??. A partir da fala desta professora levanto algumas questões que auxiliam a reflexão. O que significa dizer que se não há prova não há avaliação?
Enfatizar a prova como sinônimo de avaliação mostra-nos uma prática que ao invés de privilegiar o processo de aprendizagem, privilegia o seu produto por entendê-lo como o real saber da criança. A redução do processo de avaliação como sendo a hora da prova e o momento de dar a nota nos indica uma concepção de avaliação que é pensada e efetuada sob a ótica do exame (Barriga, 2000).
O exame legaliza e justifica a restrição à progressão na escolaridade: a preocupação quanto à avaliação se reduz a reprovar ou aprovar a criança. A avaliação, neste sentido, tem sido compreendida como procedimento através do qual se mede com neutralidade a realização dos objetivos do currículo escolar, identificado como o conhecimento socialmente relevante e necessário. Assim, a avaliação é utilizada para certificar a conclusão de um curso escolar ou reconhecer com pretensa objetividade um conhecimento baseado na execução de uma série de requisitos estabelecidos pela burocracia institucional. A avaliação, sob a ótica do exame, expressa uma concepção de educação que fragmenta o processo de aprendizagem do sujeito sem considerar a complexidade da dinâmica da construção do conhecimento.
Neste sentido, a idéia da aprendizagem como uma ação permanente, se traduz pelo acúmulo de parcelas de conteúdos escolares que vão sendo somadas ao longo do percurso. Tal compreensão justifica o momento do exame ? prova da aquisição do conteúdo ? e a reprovação ? possibilidade de apreensão do fragmento necessário à continuidade da trajetória escolar.
A prática de examinar carrega consigo a proposta da reprovação, necessária ao controle da aquisição de conteúdos e à coerção para que os alunos estudem. A não repetência é vista como algo que pode ser prejudicial para o processo de aprendizagem, pois sem reprovação não há exame, e sem exame há redução das dimensões de controle e coerção que atravessam a dinâmica pedagógica.
A referência do processo não é o movimento da criança, mas os objetivos do ensino, de modo que, ao longo da vida escolar, a criança vai aprendendo ser mais importante mostrar os resultados esperados do que expor seu real processo de aprendizagem.
A questão colocada com a implementação dos ciclos é a de que a avaliação não deixa de existir, ela ganha uma dimensão singular que é a de reconhecer e conhecer o sujeito que ali está e também o sujeito que somos sem atribuirmos valores classificatórios e seletivos.
Na urgência de se compreender que o exame é um exercício de seleção, classificação e exclusão que a escola realiza com as crianças que ali estão para aprender, convido o leitor, ou leitora, a pensar em possibilidades de ação para a constituição de uma prática avaliativa que se insira em uma lógica não classificatória, em um processo avaliativo que tenha como princípio um movimento de investigação (Esteban, 2001) de como está sendo o percurso da aprendizagem da criança e de como as ações pedagógicas estão se relacionando com este percurso.

Bibliografia:
BARRIGA, Angel Díaz. (2000) ?Uma polêmica em relação ao exame?. IN: Avaliação: uma prática em busca de novos sentidos. Esteban, Maria Teresa (org.). Rio de Janeiro: DP&A, 2º edição.
ESTEBAN, Maria Teresa. (2001) O que sabe que erra? Reflexões sobre a avaliação e o fracasso escolar. Rio de Janeiro: DP&A.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 146
Ano 14, Junho 2005

Autoria:

Karla Righetto Ramirez de Souza
GRUPALFA ? pesquisa em alfabetização das classes populares, Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro
Karla Righetto Ramirez de Souza
GRUPALFA ? pesquisa em alfabetização das classes populares, Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro

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