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Desvalorização económica do trabalho

DESVALORIZAÇÃO SOCIAL DO TRABALHO E ILUSÓRIA CENTRALIDADE DA EDUCAÇÃO   - II

As considerações que aqui abordamos ? que por razões editoriais são publicadas em três partes: em Maio, Junho e Julho ? discutem um dos grandes mitos actuais, segundo o qual teríamos entrado numa era de pós-trabalho, centrada no conhecimento e na educação. Mudança que seria devida aos poderes ?sobrenaturais? das novas tecnologias e dos mercados globalizados, criadores de um mundo unificado pela alta finança e pelas redes de comunicação.

A raíz deste equivoco [a ilusão de que o problema do desemprego pode ser solucionado elevando apenas a escolarização] está na crença neoclássica, segundo a qual as causas últimas do desemprego estão situados no próprio mercado de trabalho, um velho dogma reeditado pela pseudo - teoria neoliberal para dissimular a natureza socialmente regressiva que acompanha o processo de acumulação capitalista. A questão é que a tendência geral ao aumento do tempo médio de escolarização não se explica só, nem principalmente, por um aumento das exigências de qualificação dos empregos disponíveis, deve-se também a uma ampliação das exigências extra-económicas. De facto, a gradativa expansão da escolaridade obrigatória não se pode assacar exclusivamente às novas formas de qualificação dos empregos; depende também de exigências humanas novas de conhecimento do ambiente natural e social,  das estratégias oficiais de enquadramento da infância e de dissimulação do desemprego juvenil, assim como do poder simbólico dos diplomas escolares.
A desvalorização económica do trabalho, expressa no desemprego e na precarização das relações de trabalho leva à erosão de todas as funções realmente socializadoras da escola e não apenas da que é oficialmente absolutizada - a formação para um trabalho que não mais existe. Por essa razão, a escolarização deixa de ser um instrumento eficiente de urbanização de jovens de origem rural; perde força como instrumento de mobilidade social e de configuração profissional da classe trabalhadora. A explicação de tais mudanças conduz-nos ao  terreno mais compreensível das contradições sociais do trabalho e da  educação sob o capitalismo. Nesta perspectiva, a crise do sistema de ensino deve ser vista como um dos resultados e manifestações da grande transformação histórica em andamento, cujo  epicentro é o trabalho produtor de mercadorias  e cuja força motriz são as exigências da produção de mais-valia nas novas condições sociais do capitalismo financeiro, organização flexível da produção e competitividade total. Nesse quadro, o debate sobre a suposta centralidade da educação só tem a ganhar com a crítica do discurso oficial que apregoa uma formação geral e permanente de qualificações multi-adaptavéis para aumentar a chamada ?empregabilidade?. Neologismo que, parafraseando Malthus, deixa entender nas entrelinhas que ?a principal causa do desemprego é a ignorância dos desempregados?. Ideia antiga a que o pensamento patronal moderno acrescenta a chamada ?rigidez excessiva da legislação laboral?, para exigir o rebaixamento das  relações de trabalho a uma simples transacção comercial, mediada  apenas pelo mercado. O truque ideológico da ?empregabilidade? esconde algo ainda mais profundo: a tentativa de autonomizar tanto a esfera do trabalho como a esfera da educação, isolando-as do seu contexto histórico que as torna compreensíveis, caracterizado pela dominação de grupos oligopólicos que instrumentalizam as grandes mudanças tecnológicas, económicas e sociais à escala mundial.
Não há dúvida de que tais transformações históricas (tecnológicas, económicas e sociais) têm como epicentro o trabalho produtor de mercadorias e que, por isso,  as relações de trabalho assalariado estão a passar por profundas alterações, tanto do lado da força de trabalho como do lado do capital. Do lado do trabalho, precarizam-se as formas de contratação da força de trabalho, intensifica-se a sua exploração, individualizam-se e degradam-se as formas de remuneração e privatizam-se cada dia mais as condições de reprodução da força de trabalho. Do lado do capital, mudam as estruturas tecnológicas e organizacionais da produção capitalista, forçando por todos os meios a redução dos ?custos do trabalho?, instrumento fundamental de competitividade total. A força de trabalho perde os últimos vestígios de controlo sobre o  processo produtivo, a partir do momento em que os meios de produção exigem sempre menos trabalho vivo para serem  realizados.
Assim, os novos  meios de produção de base microelectrónica apresentam, a um só tempo,  maior grau de autonomia em relação à  forca de trabalho e também maior complexidade e vulnerabilidade,  pelo facto de funcionarem como sistemas integrados de máquinas automatizadas (?informatizadas?).  Isto leva, por sua vez, a um aumento progressivo  do desemprego e a  uma maior  autonomia funcional dos sistemas de máquinas ?robotizadas? ou  cada vez mais directamente apoiados na ciência. Por outro lado, a nova base tecnológica apela à utilização de crescentes doses de trabalho intelectual ?morto? e, em menor proporção, de trabalho intelectual ?vivo?. O primeiro, materializado em sistemas automatizados, hard, exige, para o seu funcionamento, um stock crescente de soft, assim como também doses variáveis de trabalho intelectual ?vivo?.
Concluiremos este texto, iniciado em Maio, no próximo número analisando a nova centralidade e os novos critérios de qualificação do trabalho.

Nota:
A primeira parte deste texto pode ser lida em http://www.apagina.pt/arquivo/FichaDeAutor.asp?ID=598


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 146
Ano 14, Junho 2005

Autoria:

João António Cavaco Medeiros
Economista/Professor do Ensino Secundário
João António Cavaco Medeiros
Economista/Professor do Ensino Secundário

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