Há um povo na Austrália que tem uma palavra precisa para dizer o cheiro da chuva. Há um povo em Vichada (Colômbia) cuja língua tem uma palavra precisa para dizer a doença que produz a beleza, e o deslumbramento exagerado. (W. Ospino, Os 6.500 nomes de Deus)
David Tuggy Turner, investigador do Instituto Linguistica do Verão (ILV) conta, numa conferencia sobre a ?Situação Actual das Línguas Indígenas do México? na Universidade Autónoma de S. Luis Potosí, que entrevistou, uma vez, um colega a quem perguntou quais são as causas do desaparecimento das línguas. À pergunta, o colega respondeu : «uma das principais causas é o amor». E explicou: «pensa no caso de um zapoteca da Serra de Juárez que vem a Oaxaca e se apaixona por uma mulher mixteca. Em que língua vão falar e que língua falarão os seus filhos? O mais provável é que adoptem o espanhol e, nesse caso, perder-se-ão, numa só geração, duas línguas indígenas. De facto, não é um tema fácil, não há uma resposta simples para isto.» Será apenas o amor o maior culpado? E as outras culpas? E as outras formas de morte das línguas, como os violentos processos de subordinação social, a deslegitimação cultural de muitos povos, através da imposição de políticas de domínio cultural e educativo monolingues, a internacionalização dos mercados financeiros (o processo de globalização), as correntes migratórias dentro e fora dos países, e a imposição de uma só forma de conhecimento - a ciência (ocidental) como a única forma válida de conhecimento, desqualificando assim outras formas de conhecer o mundo e de o interpretar? Como se existisse um só conhecimento detalhado e complexo sobre a Natureza, por exemplo. O monolinguismo que põe em risco não só a sobrevivência das línguas, mas também o conhecimento tradicional indígena sobre o ambiente. Muitos estudos estimam que existem entre cinco a sete mil línguas faladas no mundo, das quais cerca de quatro mil são indígenas. Muitos dos recursos naturais em perigo só são conhecidos por alguns povos cujas línguas, - principal meio de transmissão dos conhecimentos ? se encontram em extinção. Neste sentido, um relatório do PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) adverte que mais de 2.500 línguas indígenas que contêm informação vital sobre as espécies naturais poderão extinguir-se proximamente. De facto, mais de 80% dos países que conservam a sua diversidade ambiental albergam um grande número de línguas. Os especialistas (linguistas, antropólogos) dizem que qualquer língua é um sistema de cognição único que uma vez perdido significa o desaparecimento de uma criação humana secular. Estes povos (como os da floresta tropical) apresentam formas particulares de entender o mundo e de apropriação da natureza, manifestando-o através da linguagem e de outros gestos. Ao entender que a floresta é «uma selva de símbolos», um lugar sagrado de deidades, demónios e espíritos, e que cada planta, cada animal possui um espírito e produz sentidos, todo o acto de apropriação (processo produtivo na língua do sistema) da natureza se transforma num acto de profanação da floresta. Por isso, para evitar afectar minimamente estes ecossistemas e estes lugares sagrados, estas comunidades criaram todo um código, um repertório de normas, de gestão, de estratégias de comunicação, de crenças e histórias, através das quais logram o uso e apropriação sustentável da natureza. E, assim, a linguagem, a palavra, o canto...intermediários entre este mundo de maravilhas e o nosso, em toda a sua variedade, colorido e com sabores, é o criador do Mundo e dos mundos. E assim, a morte de uma língua empobrece o mundo e os seus mundos, a Terra e a sua diversidade. Num pequeno bar desta cidade portuguesa, onde namoro paisagens, um cartaz denuncia e anuncia o amor: Paula An Be Abegue Zé É a forma exacta que um amigo encontrou, numa linguagem rara, para dizer á mulher amada coisas do coração, e o anúncio e a denúncia perguntam-me, cada vez que entro naquele bar: em que língua sonhaste hoje? Em kuna, em espanhol, em português, em russo, em portonhol, uma mistura de todos...? An Be Abegue, na língua doce dos Kuna, quer dizer Amo-te!
Nota: Zapotecos e Mixtecos: etnias indígenas do México Kuna: etnia indígena do Panamá
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