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Lugares vitalícios vs. segurança no trabalho - II

Procurei discutir, na primeira parte do presente artigo (ver em: http://www.apagina.pt/arquivo/Artigo.asp?ID=3888), a questão do público e do privado na educação e, nomeadamente a sua diferenciação, quer em termos jurídicos, quer em termos sociológicos. Ocupo-me agora da questão central que dá título ao artigo, tomando como referência central o(s) concurso(s) de colocação de professores.

2. Num cenário de mercantilização do ensino, através nomeadamente da figura do ?cheque-aluno?, também sobre os professores recai o princípio da meritocracia, sendo relegados para a escola pública afinal, ... aqueles que melhor a conhecem porque a frequentaram (o princípio, a que anteriormente fizemos alusão, de uma meritocracia do ?igual entre iguais?).
É um panorama hipotético, logo não necessariamente impossível. Com efeito, e se ainda não chegamos a esta situação, não podem os concursos de colocação de professores deixar de revelar alguns aspectos suscitadores de apreensão. Se bem se entende o princípio da segurança que subjaz a uma carreira estável, como se pode entender que, para ele ser assegurado a alguns, tantos outros não o possam alcançar? Como se entende que um professor efectivo, porque chegado a este patamar, veja o seu ?lugar? como um bem vitalício e possa, inclusivamente ser destacado para outro serviço, concorrer (em óptimas condições) a outro lugar docente, não perdendo aquele que tem o carácter de vitalício? Que possa ser convidado para outro lugar (certamente pelo seu ?mérito?!), entretanto e no quadro da sua formação seja dispensado para fazer uma pós-graduação e, condicione não dois mas ?três? lugares da função pública (o terceiro não é um lugar, mas é uma oportunidade ainda financiada pelo Estado)?
Pode, mas sempre à custa de condicionar o futuro dos seus pares. E, neste quadro de realidade, não falaremos do direito privado, mas certamente da apropriação do direito público, que o próprio Estado confere e estabelece.
Erigir a escola pública como princípio social e universal, erigir a educação como a antítese de uma mercadoria só é defensável se a escola pública for um contexto de exercício da democracia por excelência, onde nomeadamente o direito à progressão existe, mas não à custa (da insegurança) dos pares. A impossibilidade de fixação de quadros nas escolas (onde distingo a segurança  no trabalho da condição vitalícia do ?lugar?) é, senão o primeiro, concerteza um dos maiores obstáculos à concretização de qualquer política educativa que pugne, desde logo por uma continuidade, característica do processo de aprendizagem e desenvolvimento (das crianças e jovens que habitam a escola).
E é uma falsa questão que este princípio de continuidade seja resolvido, atribuindo-se à escola o direito de contratar os seus professores, prerrogativa que, mais uma vez resultaria num proteccionismo dos direitos adquiridos em detrimento das condições de segurança  no exercício do trabalho. No entanto, o desperdício de energias a que, anualmente se assiste no sistema de ensino português por causa do ?jogo das cadeiras? (vulgo, concurso de professores) não deixa de evidenciar o privilégio da primeira questão face à segunda.
3. Aquilo que o Estado tem alimentado, na esteira clara de permanentemente ?dar tiros nos pés?, ao subjugar o princípio da segurança profissional ao ?lugar para a vida? é uma interpretação subtil (mas ingénua) da privatização, isto é, uma privatização não assumida, uma transferência de propriedade. Um Estado de lugares vitalícios é um Estado anquilosado; se o direito à progressão na carreira passa por um investimento da entidade empregadora, é de esperar que desse investimento ela recolha mais-valias (sobre os seus serviços); se o direito à transferência de serviço assiste ao funcionário, haverá um encontro de interesses segundo o qual se adquire algo de novo a troco de algo que era um bem (anteriormente) adquirido. Nestes diferentes percursos, aquilo que o Estado entidade empregadora tem de garantir (porque é do seu interesse) é a segurança no trabalho como na formação (convergente com o interesse dos seus funcionários) e não direitos vitalícios (que são estritamente de um interesse privado).
O Estado não tem condições para assegurar aquilo que nenhum contexto profissional pode assegurar, isto é, lugares vitalícios (algo que não está, aliás, na sua natureza). Quando o Estado atribui lugares vitalícios a alguns cidadãos ? a posse para a vida de um lugar de trabalho ? o Estado abdica de conferir a esses cidadãos o usufruto de uma situação de trabalho segura para lhes passar a conferir a propriedade dessa própria situação de trabalho (no caso dos cargos parlamentares, e na impossibilidade de conferir uma propriedade vitalícia porque, por natureza sufragados, ao fim de alguns anos confere-se uma remuneração vitalícia!). A partir desse momento, o Estado privatiza uma propriedade que, supostamente é de todos e deixa de intervir na gestão que esse cidadão possa fazer sobre a propriedade que passou a ser dele.
A privatização do Estado, bem como de todos os seus serviços (inclusive, o da educação) também se pode fazer deste modo.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 146
Ano 14, Junho 2005

Autoria:

Henrique Vaz
Assistente da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto
Henrique Vaz
Assistente da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto

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