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Neocolonialismo

João Costa Alegre, presidente do Comité Olímpico de São Tomé e Príncipe, em 2004, não calava a sua mágoa ao ver uma atleta que foi a porta-bandeira da representação de São Tomé e Príncipe nos Jogos de Sydney, três anos depois, passar a ganhar medalhas, para o ?medalheiro? do subdesenvolvido atletismo português.

Jacques Rogge, presidente do Comité Internacional Olímpico, durante a realização dos últimos Jogos Africanos na Nigéria em 2004, foi porta-voz daquilo que há muito vai no espírito daqueles que ainda acreditam que o desporto pode ser um instrumento ao serviço do desenvolvimento humano. Disse o presidente do maior emblema do mundo do desporto, que se opõe à compra de atletas oriundos de países em vias de desenvolvimento pelas nações mais ricas que, deste modo, só pretendem aumentar o seu ?medalheiro?. Afirmou ainda que a organização que lidera, não gosta que concedam aos atletas passaportes sem que existam fortes razões sociais que o justifiquem, como é, por exemplo, o caso do casamento.
As palavras de Jacques Rogge foram certamente proferidas com a melhor das intenções, contudo, neste tempo de liberalismo selvagem em que os países mais ricos, sem qualquer pudor, exploram os mais pobres, pouco significam até porque a maioria dos dirigentes políticos e desportivos, nestes tempos de corrosão de carácter, não olham a meios para atingirem os seus próprios fins.
Naide Gomes é uma atleta de craveira internacional. Merece tudo aquilo que de bom o desporto e a vida lhe podem dar. Depois de conquistar a medalha de ouro no pentatlo no Mundial (2004) de Pista Coberta realizado em Budapeste, teve uma presença modesta nos Jogos de Atenas. Contudo, em 2005 surgiu com todo o seu esplendor no Europeu de Pista Coberta realizado em Madrid, ao ganhar a medalha de ouro no salto em comprimento.
Por cá, num certo Portugal dos oportunismos e das lágrimas de hipocrisia, houve quem rejubilasse pelos resultados de Naide, não por ela, mas porque foram obtidos ao serviço de Portugal. Contudo, num pequeno país situado no centro do Mundo (Lat.?0; Long.?0), que dá pelo nome de República  Democrática de São Tomé e Príncipe, que convive diariamente com uma pobreza confrangedora que devia envergonhar o país colonizador, mais uma vez, desesperaram e choraram de raiva, pela pouca-vergonha que graça na política desportiva portuguesa. João Costa Alegre, presidente do Comité Olímpico de São Tomé e Príncipe, em 2004, não calava a sua mágoa ao ver uma atleta que foi a porta-bandeira da representação de São Tomé e Príncipe nos Jogos de Sydney, três anos depois, passar a ganhar medalhas, para o ?medalheiro? do subdesenvolvido atletismo português.
O que está em causa, bem vistas as coisas, é uma vergonha para o atletismo português, para o olimpismo nacional e para o próprio país que pratica uma política desportiva neo-colonial porque predadora em relação às suas antigas colónias. Segundo informações recolhidas em 2004 dentro da própria Federação Portuguesa de Atletismo, só da República Democrática de São Tomé e Príncipe estavam federados em clubes portugueses pelo menos 23 atletas Santomenses que, suspeitamos, a obterem resultados desportivos, passarão rapidamente a ser portugueses. De facto, é revoltante que atletas oriundos das antigas colónias a viver em Portugal, sejam obrigados a naturalizarem-se portugueses para poderem continuar a obter os apoios necessários. Dêem-lhes a dupla nacionalidade, mas deixem-nos, para dignidade deles próprios e sobretudo de Portugal, continuar a competir pelos seus próprios países de origem. 
O que se ouve argumentar aos dirigentes desportivos, é que neste mundo global, se os atletas estão a treinar em Portugal, devem competir por Portugal. Para nós, só uma mente distorcida dos valores do desporto no quadro do relacionamento internacional pode pensar assim. Veja-se, por exemplo, Maria Mutola, que em 1988, então com 15 anos de idade, esteve para ingressar no Benfica. José Craveirinha, esse grande poeta moçambicano que tinha um enorme amor pelo desporto, confirmou-nos que, ao tempo, como os dirigentes Moçambicanos começaram a perceber que, a ficar em Portugal, o destino da nacionalidade de Mutola seria a portuguesa, levaram-na para os EUA. Foi a sorte que lhe bateu à porta. Continuou a competir pelo seu país e não foi submetida às agruras a que as atletas portuguesas têm sido sujeitas por uns tantos senhores de mentalidade misoginia que vegetam no desporto nacional.
Portugal tem de ter uma política de cooperação desportiva com os PALOPs centrada na amizade, na solidariedade e, sobretudo, na honestidade. O que não pode continuar a acontecer, é que debaixo do epíteto de cooperação, gente sem educação, sem cultura e, por vezes até, sem escrúpulos, que de África a única ideia que tem é a dos filmes do Tarzan, continue consciente ou inconscientemente a fazer do desporto um autêntico instrumento de neocolonialismo.


  
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Edição:

N.º 144
Ano 14, Abril 2005

Autoria:

Gustavo Pires
Professor na Univ. Técnica de Lisboa
Gustavo Pires
Professor na Univ. Técnica de Lisboa

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