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Indústria Têxtil e de Vestuário: Um mercado livre mas com regras

A sua vida está ligada ao sector têxtil. Foi uma criança trabalhadora, entrou para o seu primeiro emprego aos 11 anos, "num tempo em que o facto não se estranhava". Fez o curso industrial na Escola Infante D. Henrique, no Porto, em regime nocturno enquanto trabalhava na empresa Fabril Norte onde cresceu como profissional na área da manutenção. Depois do 25 de Abril deixou-se cativar pelo espírito sindical. Tinha 20 anos. Há três anos a empresa fechou. Diz estar agora no sindicalismo a ?tempo inteiro?. Manuel Freitas é dirigente da Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores Têxteis, Lanifícios, Vestuário, Calçado e Peles de Portugal (Fesete) e membro da direcção da CGTP. No decorrer da sua vida sindical, percebeu que lhe faltavam bases para ?esgrimir? os seus argumentos, ingressou no curso de Sociologia, da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, que termina este ano.
Manuel Freitas começa por nos falar do contexto em que surgiu o regime de quotas no comércio mundial de têxteis e vestuário. "Na década de 70, face à concorrência que já existia, houve necessidade de proteger a indústria têxtil e de vestuário (ITV) e a Organização Mundial do Comércio (OMC) estipulou que nos mercados mais importantes da Europa, dos EUA e do Japão [que dela faziam parte] fossem colocadas elevadas taxas aduaneiras aos produtos importados dos países em Vias de Desenvolvimento.
Em 1995, a OMC definiu um período de transição de 10 anos para o fim dessas barreiras às importações, que acabou a 31 de Dezembro de 2004. Entretanto, a adesão da China à OMC, em 2002 veio alterar este cenário [tornando-se o maior exportador mundial de vestuário]. No entanto esta transição foi faseada, ou seja, de dois em dois anos havia um cabaz de produtos que ia sendo liberalizado e que foram sendo sucessivamente colocados no mercado da União Europeia de acordo com as regras nela estabelecidas. Por isso, o que foi agora liberalizado foi apenas o último desses cabazes."
Para Portugal este regime teve vantagens e desvantagens. Muitos empresários portugueses convenceram-se que era possível continuar a produzir e a vender apenas assente no factor da mão-de-obra barata. Uma ideia errada. Antes de estarmos na UE, e portanto submetidos a um conjunto de regras padronizadas, sempre que Portugal tinha dificuldades na exportação o escudo era desvalorizado. Ou seja, a competitividade dos produtos portugueses assentava em factores económicos laterais que o Estado ia usando pontualmente. Os trabalhadores pagaram esta prática com salários baixos e inflação. 
"Portugal tinha conseguido, na negociação de 1995, que os produtos mais sensíveis para a nossa indústria só fossem liberalizados no fim. Para dar tempo a estas empresas de se modernizarem, de modo a que em 2005 o impacto fosse menor," lembra o sindicalista.
Manuel Freitas lamenta que os sindicatos de muitos países concorrentes não peçam todas as regulamentações inerentes ao sector e não sejam mais exigentes em relação aos direitos dos trabalhadores por temerem que as indústrias abandonem os seus países. E acrescenta que "quando se fazem os grandes fóruns da OMC, normalmente os países em vias de desenvolvimento pronunciam-se contra o estabelecimento de regras, considerando-as um obstáculo ao desenvolvimento do próprio país".
"Não somos contra o livre-mercado, mas achamos que têm de existir regras comuns no âmbito social, cambial, ambiental. É importante que haja reciprocidade na abertura dos mercados. A União Europeia tem em média taxas aduaneiras de 12%, na Índia são de 70%. Há uma disparidade muito grande, a UE tem taxas extremamente baixas", lembra o presidente da Fesete acrescentando que "os nossos produtos deviam entrar com a mesma taxa na Índia ou na China".
No entender do dirigente sindical esta indústria tem entre nós  uma má imagem que importa mudar. Por cá, "faz-se pouca referência às boas práticas que existem. Assim, quando as empresas têxteis recorrem à banca pagam taxas de juro elevadíssimas pois o investimento é considerado capital de risco", afirma. 
Um dos problemas que aflige o sector é o da formação quer dos trabalhadores quer dos empresários. Em ambos a formação é baixa e tem de ser repensada. A baixa formação tem consequências ao nível das formas de organização da produção e, portanto, da produtividade. "A esmagadora maioria dos trabalhadores não tem a escolaridade básica; temos uma grande taxa de trabalhadores semi-qualificados e não qualificados; as profissões não têm carreira; a organização das empresas assenta muito na tarefa e na especialização ? ou seja, uma costureira pode estar 10 anos a fazer bainhas", lembra Manuel Freitas. Apesar destas deficiências o sindicalista reconhece que "começam a emergir novas formas de organização, como as células de produção em que um conjunto de trabalhadores polivalentes opera com todo o equipamento. A produtividade e a qualidade nas empresas com estas práticas aumentou, mas a maior parte dos empresários, por falta de formação, ainda não adere".


  
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Edição:

N.º 142
Ano 14, Fevereiro 2005

Autoria:

Andreia Lobo
Jornalista, A Página da Educação
Andreia Lobo
Jornalista, A Página da Educação

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