Começo por lembrar aos meus prezados leitores que, nos dois últimos textos aqui publicados (cf. os números 138 e 140 de a Página), tenho-me ocupado da questão da ?desescolarização?. Proponho-me hoje continuar, trazendo para o primeiro plano das preocupações as medidas que foram concebidas pelo Ministério da Educação, ainda sob a responsabilidade de D. Justino e que a sua sucessora não enjeitou. Poderá, à primeira vista, parecer um tanto bizarro que me ocupe duma problemática já politicamente morta, uma vez que os seus autores foram afastados das cadeiras do poder e a doutrina criada não chegou propriamente a ser implementada. A verdade é que tudo leva a crer que se trata duma problemática ?que veio para ficar?, embora seja de admitir que os ministros e os ministérios não sejam de todo indiferentes à intensidade e à qualidade das questões da agenda social pela natureza das soluções que adoptam, naturalmente intrínsecas aos compromissos políticos que representam. No caso vertente, as solução adoptadas contribuíram claramente para conferir à ?desescolarização? uma centralidade evidente, pelo menos ao nível dos meios publicitários utilizados. Quem não se lembra, ainda, do ?slogan? EU NÃO DESISTO?? Por detrás do slogan perfila-se, porém, toda uma realidade social que o slogan mais oculta que revela, como, aliás, é próprio dum slogan que se preze (embora duvide que este seja o lugar para o exercício da ironia...). Não é só a extensão do fenómeno da exclusão escolar, nem a sua natureza política, social e cultural que estão em causa e que em nada consentiria o recurso a uma expressão tão ligeira e tão irresponsavelmente voluntarista como ?EU NÃO DESISTO?. Bem se compreende o alcance político que se pretende atingir quando, como acontece com a expressão em referência, se insinua que a permanência na escola é tão só uma questão de insistência e de teimosia individual... Mas o que é verdadeiramente assinalável na problemática em questão, para além do conjunto das medidas que incorporam o PNAPAE ( Plano Nacional de Prevenção do Abandono Escolar) é o significado que elas comportam, quando analisadas à luz da escolarização do sistema ?normal?. Na verdade, o que nós podemos dizer, antes de mais, é que o PNAPAE institucionaliza uma ?outra? escola com base em toda uma argumentação que outra base não tem senão a da intrumentalização da marginalidade. E por marginalidade entende-se aqui aquele ?mundo? que no texto oficial corresponde a todos os que não conseguem ?atribuir um sentido de utilidade e de vocação à Escola?, problema que se agrava, como já tivemos ocasião de assinalar em textos anteriores, à medida que o sistema escolar ?normal? reforça a tendência para a hiperescolarização. Neste contexto, uma ?outra? escola com ?Mais Ensino Profissional e Mais Ensino Tecnológico?, com ?Mais Oferta de Cursos Profissionalmente Qualificantes de Nível II?, com ?Centros RVCC? (Reconhecimento e validação de competências) e com ?Certificação de Competências com equivalência ao Ensino Secundário?, com ?Informação Profissional? e ?Orientação Vocacional?, entre outras, aparece-nos não apenas como mais funcional e mais rentabilizadora das ?potencialidades? dos seus destinatários, mas, à luz dos modelos de desenvolvimento dominante e da lógica do sistema escolar, a que realiza a ?justiça? escolar possível. Tratar-se-á, no fundo, de aplicar ao sistema escolar o modelo da ?geometria variável?, que as nossas autoridades nacionais tão veementemente repudiam quando invocado pelas congéneres europeias... Nesta perspectiva funcionalisticamente necessitante, as soluções apontadas até surgem como politicamente generosas, economicamente eficazes, socialmente integradoras. Deixamos para trás, alegremente, como coisas pesadamente modernas, as atribuições e obrigações da escola pública, a igualdade de direitos e de oportunidades, as referências fundamentais da cidadania. E quer queiramos quer não, esta problemática, ?veio para ficar...? Vejamos os próximos desenvolvimentos.
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