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Aqueles e aquelas que não desistem de fazer perguntas

A avaliocracia entrou em força, criando o seu mercado educativo (os rankings, construídos a partir das classificações dos alunos, a divisão entre escolas de «excelência» e escolas da «escumalha» social), o pior, enfim, do paradigma escolocêntrico, com desprezo pelas identidades, culturas e aprendizagens informais dos alunos, tudo centrando, obsessivamente, na redução do processo e da relação pedagógica à preparação para os exames.

Sob o risco do absurdo que supera todas as expectativas, a hecatombe do governo das Direitas impõe que se façam perguntas, muitas perguntas. Desde logo: como foi possível chegar a tal ponto? O que representam (e quem representam) hoje os partidos da chamada governabilidade? E, acima de tudo, mesmo tendo em conta a luta e a resistência de muitos e muitas, como explicar tão generalizada e difusa passividade, bem patente na fraqueza dos movimentos sociais? 
Vou falar «apenas» do que se passou na educação. Mas este «apenas» é, na verdade, falso: ao falar de educação é todo o discurso sobre o país que se desenrola. O país onde Ruy Belo, num dos seus mais belos poemas, nada via acontecer. Ora, com as Direitas no poder, a velocidade impõe-se como nota dominante. Velocidade mascarada de modernização; velocidade classificada como «reformas estruturais»; velocidade entendida como ruptura face ao passado «arcaico». Velocidade, na verdade, de um processo de destruição. Atentemos: aumento das propinas no ensino superior e tentativa de salvação das universidades privadas através dos cortes de vagas; o fim da paridade entre professores e estudantes nos órgãos de gestão; o crescente esforço da participação das famílias nas despesas de educação dos filhos (com evidente quebra do princípio da equidade, dada a disparidade da distribuição de recursos) em estrita obediência ao pacto de estabilidade e crescimento que postula, qual dogma santíssimo, o crescimento nulo do investimento público no superior.
Nos outros níveis de ensino, para além do apocalíptico processo de colocação de professores (e do manto de opacidade, incompetência e irresponsabilidade que persiste, mesmo depois da primeira auditoria), insinuou-se, como nunca, uma crescente diabolização de professores e alunos, os primeiros rotulados sumariamente de marionetas corporativas, os segundos servindo de receptáculo de todas as frustrações sobre o declínio civilizacional (medíocres, preguiçosos, violentos...).
Não esqueçamos, ainda, a recorrente ameaça à escola pública democrática e inclusiva, com a introdução de critérios empresariais na gestão das escolas (e todo o léxico adjacente da «produtividade», «optimização de recursos», «rentabilidade»...), a par de machadadas nos princípios da colegialidade e da representatividade de todos os membros das comunidades educativas. A avaliocracia entrou em força, criando o seu mercado educativo (os rankings, construídos a partir das classificações dos alunos, a divisão entre escolas de «excelência» e escolas da «escumalha» social), o pior, enfim, do paradigma escolocêntrico, com desprezo pelas identidades, culturas e aprendizagens informais dos alunos, tudo centrando, obsessivamente, na redução do processo e da relação pedagógica à preparação para os exames.
Lembremos, também, a visão cega e bruta que fechou pequenas escolas sem atentar que algumas delas, ainda que diminutas, funcionavam como o último pulmão de esperança para distantes comunidades rurais (distantes do país oficial...). Ou, ainda, o famigerado anteprojecto de criação de um sistema nacional de educação especial, claramente orientado no sentido de direccionar as crianças para instituições privadas.
Não esqueçamos, sobretudo, o conteúdo da proposta de Lei de Bases, em boa altura vetada pelo Presidente da República, enquanto apogeu da ideologia das direitas, eliminando o cariz predominantemente público da educação, contraindo ao mínimo a participação democrática nas escolas, centralizando o sistema sem reconhecer o combate às assimetrias sociais e territoriais, no prejuízo da autonomia das escolas, instalando e consagrando os princípios da meritocracia e do darwinismo social como ideologia dominante.
Importa ter memória, jamais esquecer. E levantar novas perguntas. Sabemos quem vai ser Governo (Partido Socialista). Mas nada conhecemos das suas opções de futuro em matéria educativa. O passado não é famoso. Os indícios também não. A ainda deputada Ana Benavente revelou, aliás, o que todos sabíamos: o Partido Socialista esteve na iminência de assinar a proposta de Lei de Bases das Direitas! Urge esclarecer, definir, enunciar. Façamos, então, todas as perguntas. E compreendamos o que significa a ausência de respostas...


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 142
Ano 14, Fevereiro 2005

Autoria:

João Teixeira Lopes
Deputado do Bloco de Esquerda; Sociólogo. Univ. do Porto.
João Teixeira Lopes
Deputado do Bloco de Esquerda; Sociólogo. Univ. do Porto.

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