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A Formação de Professores e o ?Processo de Bolonha?: (Mais) Uma Oportunidade Perdida?

1. Uma análise da evolução dos projectos de formação de professores em Portugal nas últimas três décadas permitirá identificar, entre outras, a existência de tendências no sentido: i) de uma incorporação curricular das especialidades, dos estudos educacionais e da iniciação à prática profissional; ii) da harmonização da dimensão ?teórica? do trabalho no ensino superior com a dimensão ?prática? do trabalho nas escolas básicas e secundárias; iii) da diferenciação dos projectos de formação inicial de professores face a outros projectos e, em consequência, do reconhecimento das virtualidades de uma formação subordinada a princípios especializados.
Ainda que estas tendências possam ser vistas como indicadores de consolidação da formação dos professores no contexto do ensino superior, a verdade é que a sua existência, como tal, nunca foi aí pacífica, enfrentando resistências, por vezes muito fortes, à forma que foi assumindo. Neste quadro, tornou-se muitas vezes difícil uma sua discussão aberta e aprofundada, capaz de cruzar as fronteiras dos vários territórios académicos; aliás, a este nível, o debate em torno da formação de professores pareceu, muitas vezes, não ter outra motivação e outro efeito que não a redefinição (ou a tentativa de redefinição) do grau de envolvimento daqueles mesmos territórios. Este facto, entre outros, terá contribuído para que a formação de professores em Portugal possa ser frequentemente percepcionada como projecto com défice de projecto.
2. Pensar hoje a formação de professores deve envolver, para lá das características dos contextos de formação, também a consideração do que é a profissão de professor e das condições em que ela é exercida.
No plano estrito do exercício profissional, as solicitações que hoje são feitas aos professores, contemplando dimensões que tradicionalmente lhe eram alheias, têm arrastado consigo uma significativa redefinição da sua esfera de acção; ao mesmo tempo, assiste-se a profundas alterações nas esferas de regulação profissional com, entre outros efeitos, a instituição de um vasto conjunto de lugares de produção e desenvolvimento do currículo que estão para lá das fronteiras das escolas. Em consequência destes movimentos, os professores ficam colocados na intersecção de forças contraditórias de reprofissionalização e de desprofissionalização. Acresce, como factor significativo na configuração das condições contextuais do desenvolvimento da formação de professores, que os efeitos sentidos, e já não apenas pressentidos, do esgotamento ou, pelo menos, das limitações dos projectos actuais se têm traduzido em objectivo desinvestimento neste tipo de cursos por parte das instituições do ensino superior.
É neste conjunto de novas circunstâncias, e em função delas, que a formação de professores deveria, a meu ver, ser (re)equacionada. Estas novas condições, sendo profundamente desafiadoras, poderiam representar uma excelente oportunidade para se promover uma reflexão que, assumindo o Projecto, envolvendo efectivamente as instituições formadoras, dando azo a que se aprendesse com a(s) experiência(s), garantisse a criação de condições para torná-lo mais coerente, mais adequado, enfim, mais significativo.
3. Ora, não parece que as circunstâncias em que tem decorrido até agora, entre nós, o debate acerca da formação de professores, à luz do ?processo de Bolonha?, propicie a concretização daquela orientação; foi evidente a determinação exercida pelo calendário político mais imediato, baseado este em princípios insuficientemente explicitados, facto que teve como efeito um claro défice de discussão, seja no âmbito de instituições formadoras (colocadas numa posição muito mais reactiva que pró-activa), seja entre instituições, sejam entre estas e outras instâncias relevantes na esfera social. Não é este o espaço para analisar criticamente as propostas recentemente apresentadas pelo MCIES; não são claros, também, os contornos da situação que se vai futuramente configurar, dadas as alterações entretanto ocorridas na cena política; em qualquer caso, ter-se-á perdido, uma vez mais, a oportunidade de promover um debate participado e aprofundado sobre um projecto que é indiscutivelmente relevante para o nosso país.


  
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Edição:

N.º 141
Ano 14, Janeiro 2005

Autoria:

Rui Vieira de Castro
Universidade do Minho
Rui Vieira de Castro
Universidade do Minho

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