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Haverá Física depois de Planck?

Desta vez quero-me assumir, neste texto, com o perfil científico que escolhi e desenvolvi enquanto Físico, e portanto professor e investigador em Universidades públicas portuguesas há 27 anos (incluindo aqui quase cinco anos em França, entre doutoramento e licença sabática)? porque vejo este assunto persistentemente ignorado, ou adiado?não deixando de ser, no meu domínio disciplinar, um problema importante!.

Enquanto sócio da Sociedade Portuguesa de Física (SPF) de há muitos anos (desde os meus tempos de estudante!), Professor Catedrático de Física da Universidade de Évora (e anteriormente na Universidade do Minho), e tendo estado, desde há cerca de 20 anos, associado à orientação científica dos estágios pedagógicos da Licenciatura em Ensino de Física e Química, respondi, há algum tempo, ao desafio da SPF para me pronunciar sobre a proposta de programa de 12º ano de Física que foi entretanto apresentada. E o que aí exprimi enquadra-se bem neste contexto.
Tenho defendido há bastantes anos a introdução de Física Contemporânea nos programas de Física, enquanto forma essencial de promover junto dos alunos o gosto e entusiasmo pela Física... que anos de ensino "degradado" de "quase-só-mecânica-e-pouca-electricidade"... leccionada a mais de 2/3 por "químicos" (dado só haver separação no 12º ano!) tem desbaratado, e criado uma aversão fundamental pela disciplina,  afastando largamente os alunos desta opção! [Ressalvo aqui que a inabilidade dos referidos ?químicos? para leccionarem ?Física? de uma forma entusiasmante para os alunos será obviamente igual à minha própria inabilidade, ou a de outro ?físico? qualquer, para ensinarmos ?Química? do mesmo modo? e não se deve, portanto, a qualquer vírus que atingisse a qualidade docente dos nossos ?químicos?? bem pelo contrário! A memória lisonjeira que mantenho das aulas de Química, e de alguns dos meus professores impõe-me esta precisão!]
Nesse sentido, fiquei espectante ao verificar que se ia introduzir "Física Moderna"... mas bastante mais desanimado ao verificar que, à excepção da RELATIVIDADE, o restante passa pouco de mera "cosmética"... já não se encerra o programa de Física no final do século XIX... já se vai aos anos 20 a 30 do século XX... tudo o resto se mantém! [Só para dar uma ideia do ínfimo "progresso" proposto, relembraria que a minha professora de Físico-Químicas - excepcionalmente competente... daí que fui para o curso de Física! - no início da década de 70... já falava de todos estes assuntos, agora propostos como "Física Moderna"...] Assim, não!
Será que, 35 anos passados desde então, não há toda uma nova Física CONTEMPORÂNEA (para lhe distinguir o nome!), que nos envolve como investigadores (os que o somos!) no dia a dia... e que pode, qualitativamente, ser explicada a esses alunos?! Enquanto a Física que pretendemos ensinar aos nossos alunos do secundário não chegar até àquela que criamos no dia a dia dos nossos laboratórios...não teremos mudado nada de essencial na nossa aproximação que fazemos ao ensino de Física no ensino secundário! Aliás, já há alguns anos, sou co-autor, juntamente com os meus alunos do Mestrado em Física da Universidade do Minho, e o Prof. Ferreira da Silva, da Universidade do Porto, de um livro sobre SUPERCONDUTIVIDADE, dirigido a professores do 10º a 12º anos, que tenta mostrar como este assunto de actualidade indesmentível pode ser apresentado a este nível de alunos do secundário? e continuo a desenvolver esta lógica na disciplina que lecciono ao mesmo mestrado, agora na Universidade de Évora, que tem por nome ?Temas Contemporâneos de Física?.
A minha proposta consiste em que um terço do programa dos três anos do ensino secundário verse assuntos ?contemporâneos?, de que os alunos ouvem falar no dia a dia? mas só aprenderão nos anos finais dos cursos universitários de Física! E, para além da já sugerida supercondutividade, poderia acrescentar, em geral, aspectos ?microscópicos? da Física e dos materiais, o funcionamento de um microscópio de efeito túnel, ou de uma câmara de vácuo, ou aspectos actuais de cosmologia ou física das partículas? (e, se não me alargo mais por aí, é devido à minha ?deformação? de físico do estado sólido). Assisti há uns meses, no Departamento de Física da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, a um seminário sobre sensores que tentam mimetizar os dos nossos sentidos (no caso, ?línguas electrónicas?)? em que tudo poderia ser compreendido por um aluno de final de secundário! E a lista pode ser alargada, se todos quisermos, e nos pusermos ao trabalho de a acrescentar. Esta parte de ?divulgação avançada? que proponho poderia entremear a física mais clássica, de modo a estabelecerem-se conexões e pontes entre uma e outra? mas não acho exagerado gastar um terço do tempo a falar do que é o nosso dia a dia de investigação e a fazer o que chamaria pomposamente, o ?marketing? desta deliciosa física que todos, enquanto físicos, adoramos, porque a escolhemos como domínio do saber e da investigação.
Reconheço duas enormes dificuldades para o que proponho: uma conjuntural, resultante do disparate enorme que o governo do PSD/PP introduziu na revisão curricular do secundário, em que nos ?promoveu? as disciplinas científicas para o nível das opcionais? (e que espero não perdure muito, dado o desastre que, conjugada com Bolonha, introduzirá na formação, por exemplo, dos futuros engenheiros!); a outra, como referi atrás, é já muito velha, e deve-se a serem na maioria ?químicos? os professores de Física no país? Só podem entusiasmar os alunos a escolher Física por gosto os que por ela optaram, e são físicos, portanto! E estas seriam questões prévias a qualquer mudança!
Não consigo sequer prever o enquadramento no programa proposto para alunos que não tenham ?optado? por Física nos anos anteriores! Mesmo assim, corre-se o risco, que todos conhecemos, que os professores de Física do secundário (os tais que, na sua maioria, são químicos!), por falta de preparação nos domínios de Física Moderna, arrastem a restante parte do programa, de modo a nunca chegarem a entrar neles!
Finalmente, e por maioria de razão, se tal ?omissão? não for colmatada ao nível do ensino secundário?que pelo menos o seja no ensino superior, em particular para os alunos de Engenharia e os futuros professores de Física? ou seja, é necessário que, também a estes, se fale da ?nossa? Física do século XXI? Ou que ar não terão, por essa Europa fora, os ?nossos? engenheiros pós-Bolonha (em versão 3+2, 4+1 ou 0+5? tanto faz, neste aspecto!) que saberão tudo de electrónica e computadores, hardware e software? mas ignoram tudo o mais do ?funcionamento? dos electrões? ou do núcleo dos átomos a que estes pertencem?
Em resumo:
Sem física ?contemporânea? não teremos alunos de Física? nem Engenheiros competitivos para o século XXI
Sem 3 anos obrigatórios de Física no secundário, nem vale a pena sonhar em alterações programáticas destas
Sem separar Física e Química no secundário, não melhoraremos a procura dos cursos científico-tecnológicos, nem a cultura científica do país, em geral
Sem coordenar os programas com os da Matemática, teremos sempre problemas no desenvolvimento harmónico de capacidades nestes dois domínios
Os programas dos 3 anos do ensino secundário devem ser considerados em conjunto
Este foi o ?desabafo? de um Físico? à espera de ser ouvido!


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 141
Ano 14, Janeiro 2005

Autoria:

Manuel Pereira dos Santos
Professor Catedrático da Univ. de Évora
Manuel Pereira dos Santos
Professor Catedrático da Univ. de Évora

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