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Modelo de paternidade ou paternidade roubada?

Para o Tiago,
filho de Sandra e Paulo Raposo,
meu neto intelectual....

Começam a existir no nosso amor e no nosso desejo, continuam a sua vida dentro da intimidade do casal. Antes ainda, viviam dentro do grupo social, esse que nos ensinam como é que amamos aos nossos descendentes. É verdade que entre os dados da nossa cultura cristã, há um mito, o da paternidade silenciosa que José soube ter com Maria. Entre os Islamitas, o duro Pater Família com as filhas e o doce varão com os filhos. Os Budistas pensam no mais novo reencarnado de um ser que veneraram no passado. Max Weber em 1905, conseguiu analisar todas as relações ascendentes/descendentes do que denominou as religiões universais. Essa teoria que orienta a nossa cultura, ou a amizade dos adultos com as suas crianças falada com alegria por Malinowski em 1922, 1924 e 1926. As ideias analíticas de Sigmund Freud em 1905, em 1913 e as maternais de Melanie Klein em 1930, ideias doces de François Dolto nos anos 50 do Século XX, ou directas e sem modelos, mas cheias de ternura de Alice Miller até aos dia de hoje. Todos concordam como os pais varões ficam encantados pela beleza em termos de descendência, ainda antes de sermos materialmente pais.
Quando nascem, é uma alegria e um orgulho. Queremos dizer, contar, compartilhar, referir os mais pequenos gestos, acariciar esses dedos frágeis e apertar a pequena mão agarrada à nossa. Com beijos, tantos e tão profundos, capazes de transmitir todas as doenças que entram connosco ao correr desde a rua até ao berço. E quando dão esses primeiros passos! E quando dizem as primeiras palavras! E esse tão natural pranto de dor por causa dos ouvidos ao suportar o primeiro dente que a gengiva anda a atrasar, essa água que escorre pelo nariz no primeiro parto da primeira filha que um dia aparece! A profunda preocupação do catarro, o escândalo que criamos ao típico mau médico por causa do mau diagnóstico, que nem consegue saber se é resfriado ou meningite! Os milhões de perguntas aos pais de como era que faziam quando nós tínhamos essa doença e essa idade. A nossa mãe, avó dos nossos mais novos, a melhor médica pediátrica que vamos encontrar, porque com calma diagnostica e dá uma carícia ao aflito pai. Esse homem que imaginou seis descendentes para brincar, amar, cuidar, trabalhar, ensinar, vestir, jogar a bola, aprender a engomar e tecer as tranças na cabeça das mais pequenas! E o hábito, necessário, de guardar silêncio à chegada da primeira menstruação ou da primeira poluição do puto ? os famosos sonhos molhados que também tivemos, até descobrir o prazer de nos masturbar. Sem contar aos mais velhos, essa experiência que tiveram no seu tempo e permitia adivinhar a nossa e nós...a pensar que enganávamos...como se fosse um pecado....que até o Catecismo Romano retirou da lista dos actos condenados em 1993....apenas. E essa passagem do auto erotismo ao namoro, as apalpadelas? Inovação nos nossos sentimentos...! Se é filho, ficamos babados; se é filha....pensamos....e pelos menos recomendamos preservativos para evitar gravidezes não desejadas e sem pai ou ? hoje em dia ?, mãe adoptiva dentro do casal. Estas três vias do crescimento dos nossos filhos, as acompanhamos com prazer, com mimo, mal criamos pelo ouvir, responder e não aconselhar, excepto se somos perguntados...
Há a quarta, antes da quinta e derradeira experiência da paternidade, esse dia que os nossos pequenos crescem e, olhos nos olhos com alguém novo dentro da família, sonham com o seu herdeiro e o vão fazendo....e um dia depositam no nosso colo um pequeno bebé que nos faz temer, desconfiar, ter medo que venha a cair e devolvemos a correr ao nosso descendente que sabe muito bem como o tratar. Bebé que cresce faz do pai avô e começam as agendas e as regulamentações para como sim e como não, mimar uma entidade nova que nós vamos ver apenas duas vezes num ano, não todos os dias como aos nossos filhos. O código é criado, a ilusão de ser avô fica no imaginário e apenas, às escondidas, podemos brincar aos jogos proibidos, como andar de carro, de bicicleta, ler histórias de autores que não o Tolkien dos nossos pequenos. Ou dançar ao som das suites de Bach, dança para raparigas, bola para o puto, especialmente se o descendente é rapaz..... E o desentendimento tinge essa quarta etapa da nossa vida e a afectividade cultivada com prazer e honra, fica fechada enquanto esse filho, hoje pai, não confia em si próprio para emprestar o seu rebento ao seu próprio pai, que passa a ser o lobo mau da família, o traidor, o proibido, o banido da relação que salta uma geração. E já não somos avós nem pais durante um tempo cumprido. O mito romano fica fechado: o filho que morre por todos, apenas tem mãe. O pai fica nos textos da infância do bem amado, na altura da necessidade de trabalhar para sustentar a casa enquanto os descendentes estudam. Os círculos se fecham e passa a ser necessário inventar uma nova família e novos rituais. Com Natais com netos permitidos...ou com netos retirados de nós com más palavras dos nossos antigos amados pequenos. É o Natal. Abrem-se imensas alternativas de solidão, entre elas, retirar as fotos dos netos para não lembrar. Desejo a todos que esse castigo nunca aconteça e o mais novo seja o ponto de união de um pai respeitoso do novo casal ao seu descendente. Como espero ser capaz de ser. Mas se sou mal entendido...o tempo o dirá...Quinta e derradeira experiência da paternidade.
Deixa de ser modelo, passa a ser roubada.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 141
Ano 14, Janeiro 2005

Autoria:

Raúl Iturra
Instituto Superior das Ciências do Trabalho e da Empresa, Lisboa
Raúl Iturra
Instituto Superior das Ciências do Trabalho e da Empresa, Lisboa

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