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A propósito de Luís Figo

As revoluções político-sociais, à luz das cartilhas habituais, não passam de quimeras. Vejamos a Revolução dos Cravos, em Portugal. Observada, hoje, na sua globalidade, não passou de uma simples revolução burguesa. Só durante o PREC ela foi, aqui e além, Revolução: esteve, em diversas vezes, nas mãos do povo, chegou às ruas, não foi por isso sacralizada.

Não pretendo que me considerem um velho do Restelo quebrantado pela doença, ferido pela desilusão, assistindo impotente à falência dos seus sonhos mais nobremente ambiciosos. Bem longe disso! Serei um ?vencido da vida?, mas precisamente no sentido em que o foram também, ?mutatis mutandis?, o Eça de Queiroz, o Antero de Quental, o Guerra Junqueiro, o Oliveira Martins, o Ramalho Ortigão. É evidente que não tenho o profundo espírito crítico de nenhum deles, nem a sua vastíssima cultura, mas aos 71 anos de idade não quero desertar do campo de batalha onde lutam os mais novos em que acredito. As sociedades desenvolvem-se, sob o estímulo das aspirações de alguns homens excepcionais, como eu contemplo nos jovens (!) portugueses de 30, 40 e 50 anos. Com uma vida que já não é curta,  quero estar ao seu lado, na luta por um mundo melhor. Ora, como já aqui o escrevi, o mundo actual distingue-se pelo economicismo ultra-liberal triunfante. Eu sei que, para António Gramsci, o erro consiste tanto no ?economicismo como no doutrinarismo pedante, ou ainda no ideologismo?. De qualquer modo, o poder, dizendo-se do povo, nunca é do povo. Digamos mesmo ? é do Príncipe! E assim o povo, melhor ou pior, continua onde sempre esteve. As revoluções político-sociais, à luz das cartilhas habituais, não passam de quimeras. Vejamos a Revolução dos Cravos, em Portugal. Observada, hoje, na sua globalidade, não passou de uma simples revolução burguesa. Só durante o PREC ela foi, aqui e além, Revolução: esteve, em diversas vezes, nas mãos do povo, chegou às ruas, não foi por isso sacralizada. Entretanto, os defensores do molde arquetípico das revoluções burguesas roubaram ao povo o que lhe pertencia e a capacidade criadora e a autonomia pessoal desapareceram. Não defendo o ideologismo da extrema-esquerda (e até do PCP), que forcejou por comandar o PREC. Lastimo que o capitalismo sistema-mundo não seja senão uma gigantesca montanha de ilusões, onde o povo não passa de singelo títere, nas mãos do Poder.
Mesmo quando cultua alguém saído dos mais baixos estamentos da sociedade e que atingiu notoriedade, mormente no desporto, é para salientar os valores em que acredita. Para o jogo de futebol All Stars, realizado no passado dia 12 de Julho, no Algarve, por iniciativa da Fundação Luís Figo, ofereceram-se mais de 200 marcas e instituições. O nome de Luís Figo brilha nos ?sites? oficiais das empresas nacionais e multinacionais mais poderosas. A Coca-Cola e a Galpenergia são dois exemplos. A petrolífera portuguesa tem o exclusivo da imagem, durante cinco anos, visando aproveitar o prestígio que Luís Figo desfruta, em Espanha. A criação da Fundação Luís Figo, que pensam os especialistas ser uma operação destinada a emagrecer o volume dos impostos do futebolista internacional português, vem de associar-se à Laureus Sport for Good Foundation, de que é presidente o norte-americano Edwin Moses, duplo campeão olímpico dos 400 metros barreiras, que escreveu, no ?site? oficial da sua instituição: ?tenho a maior honra em que as duas Fundações trabalhem em conjunto?. Aliás, a Fundação Luís Figo pretende concretizar, numa primeira fase, oito projectos: o Luís Figo Cup, a Academia Luís Figo, o Projecto Team Portugal, o Projecto Esperança, o Projecto Ministério da Segurança Social e Casa Pia de Lisboa, a Introdução de Novas Tecnologias, o Super Atleta Galpenergia e o Projecto Luís Figo/Fundação Laureus. Luís Figo é parco, nas revelações acerca do império financeiro que dirige e de que é o dono. Um ponto parece certo: em ordenados e publicidade, se é verdade o que noticia a revista Focus, ele aufere, em dinheiro antigo, dezasseis mil contos por dia! E acrescento com o que diz este semanário de grande informação: ?Aos dois milhões e quatrocentos mil euros que Luís Figo factura mensalmente (480 mil contos) juntam-se as verbas obtidas pela ex-modelo profissional, que foi o rosto oficial da Vista Alegre, durante o Euro 2004?.
E tudo isto acontece com o 10º classificado, na lista dos futebolistas mais bem pagos, que é liderada por David Beckam, Ronaldo e Zidane. Entretanto, exceptuando os ?craques? que são pouquíssimos, são muitíssimos os jovens que fracassam, na profissão de futebolista. Destes ninguém fala. Ao invés de Luís Figo de que se fala tanto que nem deixa espaço para salientar as desilusões que também atravessam o mundo do futebol. Sou um admirador de Luís Figo, como extraordinário futebolista que é. Mas a propósito dele convém lembrar as luzes e sombras do espectáculo de maior magia do nosso tempo ? o futebol! E são em maior número as sombras do que as luzes!


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 141
Ano 14, Janeiro 2005

Autoria:

Manuel Sérgio
Universidade Técnica de Lisboa
Manuel Sérgio
Universidade Técnica de Lisboa

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