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A «Nova Direita» e a Educação (II)

O campo da educação, dado o grau de familiarização de que se reveste, é um terreno fértil para a emergência desse estilo discursivo [da «Nova Direita»], muitas vezes de raiz populista e sempre ideologicamente enformado (?)Estamos, pois, no domínio dos «lugares-comuns» que todos parecem entender, que todos têm a tendência para reproduzir mas que poucos estão em condições de utilizar em seu proveito pessoal e dos grupos restritos que servem e, muitas vezes, representam.

Terminei o texto anterior evidenciando a necessidade de «deslegitimação» do discurso da «Nova Direita» no campo da educação, embora esse processo tenha de ser generalizado a todos os domínios do social, tendo bem presente que essa tarefa não será fácil nem rápida dadas as características de que se reveste o referido discurso.
 A principal característica desse discurso é a evidência, isto é, possui uma formulação tal que o torna (quase) imune à contestação e à refutação, impedindo assim a necessária introdução da reflexividade analítica, ingrediente indispensável ao modo de agir e de pensar democráticos. Estamos, pois, no domínio dos «lugares-comuns» que todos parecem entender, que todos têm a tendência para reproduzir mas que poucos estão em condições de utilizar em seu proveito pessoal e dos grupos restritos que servem e, muitas vezes, representam.
O campo da educação, dado o grau de familiarização de que se reveste, é um terreno fértil para a emergência desse estilo discursivo, muitas vezes de raiz populista e sempre ideologicamente enformado. Tomemos alguns exemplos sugestivos:
- quem se opõe aos exames nacionais (até agora relegados para o 12.º ano e educação superior mas que ameaçam generalizar-se a todos os níveis da educação básica), instrumento considerado como o mais adequado do ponto de vista da objectividade e, consequentemente, da justiça?
- quem se opõe à avaliação do mérito, até agora implícita na avaliação através de exames e de testes vários e que tende a ser generalizada a todos os domínios da administração pública (a chamada avaliação do desempenho), ou seja, quem se opõe a que os ?melhores e os que mais se dedicam e esforçam possam ser devidamente recompensados??
- quem se opõe e com que argumentos ao princípio, constantemente propalado na imprensa escrita e falada, da liberdade de ensinar e de aprender, consagrado pela máxima da escolha parental?
- quem se atreve a questionar a ideia segundo a qual a educação escolar se encontra numa crise profunda e que tal se deve ao facto de se encontrar submetida ao designado monopólio estatal, factor que impede a concorrência e a competição entre fornecedores, único processo considerado como capaz de ultrapassar a referida crise?
- quem se atreve a contestar a ideia segundo a qual um dos problemas fundamentais da educação escolar é a inexistência de modelos de gestão de tipo empresarial no interior de cada escola?
- quem se atreve a desmentir a crise de autoridade do professor e a defender o seu urgente restabelecimento, qual ex-libris de uma visão nostálgica de um tempo que espero nunca mais se venha a viver?
- quem está em condições de rebater a ideia segundo a qual a educação escolar se caracteriza predominantemente pelo facilitismo e pelo hedonismo, sendo necessário e urgente o «retorno» a critérios de exigência e de excelência, alegadamente característicos de um modelo educativo que terá sido destruído pela democracia nos últimos 30 anos?
- quem, em seu perfeito juízo, se atreve a questionar uma das máximas fundadoras dos discursos sobre a alegada crise da educação e que nos diz que a ?escola não prepara convenientemente para o mercado de trabalho?, isto é, os alunos completam a sua escolaridade (básica, secundária e superior) e ?não sabem fazer nada??
Certamente que outros exemplos poderiam ser aqui adicionados, embora aqueles já nos permitam estabelecer com segurança algumas das características do discurso da «Nova Direita» e a linha de base adequada para a sua desconstrução. Esta é uma tarefa que todos temos de encarar como prioritária na época em que vivemos, caracterizada pelo imediatismo e pelo discurso fácil, necessariamente avesso à reflexão, entendida aqui como o exercício sério do debate e do confronto de ideias. Nos próximos textos tentarei esclarecer cada um daqueles aspectos, procurando evidenciar os seus reais significados e consequências, contribuindo assim para a sua desconstrução e desnaturalização.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 141
Ano 14, Janeiro 2005

Autoria:

Manuel António Ferreira da Silva
Instituto de Educação e Psicologia da Univ. do Minho
Manuel António Ferreira da Silva
Instituto de Educação e Psicologia da Univ. do Minho

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