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Questões do secundário . . . e não só

O sistema vai promovendo alterações que hoje determinam as duas vias, que perpetuam ou melhor aumentam as desigualdades sociais. Em pleno século XXI, quando ciência e tecnologia são indissociáveis, achamos inaceitável a realização de aprendizagens retóricas, teóricas e desligadas do contexto real.

Desastroso, ineficaz e improdutivo são alguns dos epítetos hoje vulgarizados, por largos sectores desde políticos a ?pedagogos?, para caracterizarem o actual estado do ensino e da educação neste canto europeu.
Decorridos 30 anos do início de profundas modificações sociais, é com tristeza que constatamos serem reduzidas as melhorias obtidas na educação.
Assistimos a uma sequência de ?reformas? que servindo de marca pessoal de ministros vem acentuando o cariz elitista do ensino secundário. As reformas entram em vigor, mas as práticas pedagógicas mantêm-se. Não há qualquer acompanhamento, não se vislumbra a preocupação na formação e actualização dos docentes, não se pensa em recursos e equipamentos, não se promove a colaboração com entidades empresariais, não se eleva a autonomia das escolas e a participação dos alunos, numa busca conjunta da qualidade.
Mudam-se nomes de disciplinas, alteram-se programas e intui-se que a qualidade vem por acréscimo. Cada alteração reforça a formação geral em detrimento das componentes científica e tecnológica. Hoje, por exemplo, propõe-se o curso geral de Ciências e Tecnologia sem qualquer formação tecnológica, apesar de ser o percurso privilegiado para quem pretende seguir cursos da área das engenharias. Iniciam a sua formação no ensino superior técnico, jovens analfabetos em tecnologia.
Um dos aspectos nucleares reside na indefinição da natureza do ensino secundário. Entendido como ?corredor de passagem? do básico para o superior, contrapomos ser local de passagem para o que quer que seja, mas antes um segmento de ensino com identidade e finalidades próprias, um local propício à aquisição de competências e conhecimentos em variados domínios, na base do desenvolvimento de múltiplos projectos, onde se interligam as actividades teóricas e experimentais, científicas e tecnológicas, preparando os jovens para o desempenho de papéis socialmente úteis e ao mesmo tempo podendo dar resposta às solicitações de uma sociedade carente de técnicos qualificados.
Há que assentar de vez que o único requisito de acesso ao superior seja a posse de certificação de uma formação secundária. Compete ao ensino superior recrutar os seus alunos através das suas competências obtidas nas diferentes formações existentes.
Porque manter exames nacionais no secundário que em simultâneo servem para conclusão deste nível e de graduação na entrada no superior?
Entendemos que o mais grave dos problemas de que hoje enferma o Ensino Secundário prende-se com a desvalorização social das formações tecnológicas.
A ?unificação? do ensino atenuando as desigualdades sociais existentes assentou no modelo ?liceal?, considerado o da qualidade. Segue-se a unificação do secundário com os cursos complementares. O sistema vai promovendo alterações que hoje determinam as duas vias, que perpetuam ou melhor aumentam as desigualdades sociais. Em pleno século XXI , quando ciência e tecnologia são indissociáveis, achamos inaceitável a realização de aprendizagens retóricas, teóricas e desligadas do contexto real. Ao actual tecnológico a reforma curricular veio diminuir as práticas experimentais, desvalorizou as especificações terminais, propõe um sistema de estágio impensável com 35 horas semanais, devendo o aluno ter ainda tempo para estudar, fazer as suas pesquisas e trabalhos, preparar-se para exames, realizar a PAT e a finalizar ser considerada uma via secundária de segunda qualidade. Confina-se cada vez mais a ser uma escolha residual.
A quem serve a manutenção do ensino unificado e das duas vias distintas no secundário?
O ensino básico não pode continuar sem oferecer qualquer formação ou orientação vocacional aos seus alunos (ao contrário do que sucede em vários países europeus), Aos jovens tem que ser dada a oportunidade de, através da escolha de disciplinas encontrarem o seu próprio percurso formativo, promotor de sucesso, com a garantia de que no final as certificações obtidas são de idêntica dignificação.


  
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Edição:

N.º 140
Ano 13, Dezembro 2004

Autoria:

António Silva Pereira
Escola Secundária Fontes Pereira de Melo, Porto
António Silva Pereira
Escola Secundária Fontes Pereira de Melo, Porto

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