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"Compro-lhe tudo o que ela quiser!"

Os miúdos atacam. Rodrigo cravou à avó um Bey Blader telecomandado de 27 euros. Francisco transformou o Mickey que os pais lhe ofereceram  em "saco de luta". E ai do Pai Natal que não ponha no sapatinho de Cláudia a Barbie e os seus acessórios. Os adultos defendem-se ou rendem-se. A avó de Rodrigo tenta persuadi-lo a levar o Bey Blader com lançador de 10 euros. A mãe do Francisco enche o filho de brinquedos dos "300". A mãe da Cláudia dá-lhe tudo, até ao limite de 250 euros.
É Natal. Época de presentes. A alegria das crianças. Altura em que disparam os anúncios televisivos de brinquedos. Em que pais, avós e tios são assediados com infindáveis pedidos. A Página visitou duas lojas na cidade do Porto - uma de brinquedos ditos "mais didácticos" outra com uma oferta "generalista" - e recolheu as impressões de quem por lá andava.

Rodrigo, 8 anos, entra disparado pela loja qual Action Man. A avó persegue-o. Se tivesse visão raio-X como os heróis de acção não perderia o neto de vista. "Onde estás?" Algures, encoberto pelas prateleiras de brinquedos, três vezes mais altas do que ele, Rodrigo responde: "Aqui!" Bem em frente aos Bey Blader, piões com rodas dentadas que giram depois de puxado um lançador também ele dentado que faz a vez do antigo cordel. Existem três modelos. Rodrigo inumera-os: "Há o Draciel , o Driger e o Vortex?"
A avó vem oferecer um brinquedo por conta da "pica" que acabou de levar para a asma. Mas o miúdo não se decide. A vendedora ajuda: "Estão ali uns Bey Blader novos com telecomando!" Rodrigo arregala os olhos. A avó faz as contas. Os mais simples custavam 10 euros os mais complexos 27. "Porquê que não levas os outros?", pergunta a avó mais inclinada a gastar menos. "Oh vóoo? porque este é telecomandado e os outros são magnéticos!" A avó cede. O miúdo dá-lhe um abraço tão grande quanto os seus braços pequenos permitem. "Isto é já um presente de Natal, ok?" Mas Rodrigo apressasse a dizer que não. "No Natal quero um Pokemon Fire Red, a Playstation 3, o cão Tobias que faz acrobacias e o Bobipipi que bebe água e faz xixi!"

"Tudo tão feio que até arrepia"

Maria Bessa procura um presente para uma criança de 2 anos. Sabe perfeitamente o que deve oferecer: "Um brinquedo colorido, didáctico e sem peças amovíveis". Não andou a ler as informações sobre segurança nos brinquedos no endereço do Instituto do Consumidor (www.consumidor.pt), onde se alerta para o facto de os acidentes mais comuns se ficarem a dever à ingestão ou aspiração de pequenas peças. É enfermeira de puericultura. "Posso enviesar a sua reportagem", graceja. A maioria dos pais tende a olhar apenas para a idade aconselhada na embalagem do brinquedo. E seguir a vontade da criança. Quando para Maria Bessa "os pais deveriam refrear o consumismo dos filhos".
Se há coisa em que Manuela Costa não pensa quando se trata de satisfazer os desejos da filha é em dinheiro. "Até 250 euros, compro-lhe tudo o que ela quiser!" A lista de Cláudia para o Pai Natal é longa: "Um Nenuco, o carrinho e os acessórios, as Polly Pokets (umas bonecas miniatura) e a Barbie  com a carruagem".
Na secção "menina", bem em frente aos acessórios da famosa boneca americana, vamos encontrar novamente Maria Bessa. Não quer parecer retrógrada nas avaliações que faz dos brinquedos actuais. "Mas dantes - reflecte - davam-nos uma boneca e nós imaginávamos o castelo o coche, como nas histórias de princesas, agora tudo isso é dado sob a forma de brinquedo, já não é preciso imaginar nada!"  E para os meninos, aponta uma garagem em forma de T- Rex que cospe carros pela boca a alta velocidade, "é tudo tão feio que até arrepia", observa Maria Bessa. "Não sou retrógrada mas acho que os brinquedos poderiam ser menos agressivos", acrescenta ao pegar num Action Man de "super-arma lançadora de arpão" em punho.
Menos agressivos e mais educativos, eram estas as características que Maria do Carmo também desejava ver nos brinquedos. Entrou na loja para comprar um puzzle para uma criança de 4 anos e "nunca daria um boneco que tivesse armas". Admite não ver "grande interesse" na maior parte dos brinquedos que estão à venda. Pois acredita que uma das funções mais importantes do brinquedo seja "incutir paz e serenidade" para "aliviar as crianças do stress da vida que já levam".

Pedagogias

Para além da óbvia função lúdica, há quem peça mais do brinquedo. Que seja educativo e que transmita certos valores e ajude a incutir determinadas condutas. Maria Rangel está numa loja de brinquedos ditos "mais didácticos". Tem um filho de 7 anos que "adora" uns animais de plástico muito variados que ali se vendem. Hoje a mãe leva para casa um canguru. Aos poucos há-de fazer a colecção toda. O preço é "aceitável", varia entre os 3 e os 5 euros.
Também Maria Rangel está rendida a este género de brinquedo. Sobretudo pela sua durabilidade. "Tenho a preocupação em comprar brinquedos que não se estraguem com facilidade porque gostava que o meu filho os conservasse até crescer!"  A razão de tal desejo é só uma: "Gostava que ele um dia, já adulto, olhasse o brinquedo e recordasse quem lho deu". Tal como a sua mãe ainda faz com alguns brinquedos que o tempo não estragou. A próxima visita à loja será por altura do Natal. Na lista de compras será incluído outro animal e para grande surpresa do filho, uma bicicleta oferecida a meias pelos pais e os padrinhos. Talvez um boneco do Homem-Aranha, outro dos pedidos do filho, também apareça no "sapatinho".
Direita à secção das "panelinhas e comidinhas" vai Maria Fernanda. Está na mesma loja dos animais, e entra à procura de dois presentes de Natal. As destinatárias, as sobrinhas de 4 e 5 anos. Não conseguiu resistir à atracção dos brinquedos que em criança também adorava. Ainda assim, diz-se "preocupada com o facto dos brinquedos perpetuarem certos valores sexistas da sociedade". Exemplo aqueles que se sente inclinada a comprar. "As panelinhas seriam uma opção mas lá estamos nós a empurrar as meninas para a cozinha, aposto que ninguém as ofereceria a um rapaz", desabafa lembrando que "os melhores chefs de cozinha até são homens". Um momento de indecisão. "Barbies nunca daria", diz Maria Fernanda. E justifica: "Não podemos querer combater a anorexia com modelos destes". Na boneca desagrada-lhe a "figura estereotipada" e a "atitude espalhafatosa".
Constantina Maia prefere "os brinquedos menos televisionados". É cliente habitual da loja de brinquedos "didácticos". "São melhores em termos de qualidade e não magoam as crianças", justifica. Quer comprar um presente para um miúdo de 8 anos "que é muito mexido". Tendo essa característica em consideração, Constantina Maia descarta a hipótese de levar um dominó. Até porque, explica: "Não é uma coisa que se possa jogar sozinho e ele não tem pais que possam brincar com ele". Um "mal" do qual acredita padecerem muitas crianças. A escolha torna-se difícil. "Ele nunca está quieto no mesmo sítio", pensa alto. E decide pedir ajuda à vendedora que vai sugerindo: "Os flippers?" Constantina vê o preço, 29 euros, "é muito caro". Acaba por se decidir pelos dardos. "Isto já dá para ele jogar sozinho", vaticina.
 

Os bonecos da televisão


Para Lurdes Silva, gerente da loja de brinquedos "generalista" não há dúvidas quanto à influência directa da publicidade nas vendas. Que é como quem diz nas escolhas de pais e filhos. Veja-se o caso de um determinado brinquedo que depois de surgir nos desenhos animados começou a ser publicitado em anúncios recentemente.  "Tínhamos os Medabots  (robots lutadores) à venda desde Maio e saíam muito pouco, depois começaram a sair imenso". O mesmo aconteceu com um outro brinquedo para crianças com mais de seis meses, o Hipopótamo Andador, diz Lurdes Silva.
Na loja de brinquedos ditos "didácticos", Márcia Costa, vendedora, já se apercebeu dessa ligação.  "As pessoas entram aqui e perguntam se não temos aquele brinquedo que dá na televisão, mas não temos esse tipo de produtos."
André, 3 anos anda "perdido" entre tanto brinquedo. A mãe tenta, em vão, mantê-lo ao pé de si. "Este ano a 'panca' dele é o Noddy!", graceja Mónica Duarte.  O miúdo não perde um episódio do seu herói preferido. A mãe, que também vê o desenho animado acha-o "extremamente pedagógico" e os brinquedos inspirados na série "muito didácticos". Por isso André, há-de receber um carro do Noddy - para além de um computador mais avançado que um outro que tem em casa e ao qual "já pouco liga".
Francisco, 8 anos, converteu o Mickey que os pais lhe ofereceram com um ano e meio em "saco de murros". Agora os seus interesses estão mais voltados para as Tartarugas Ninja. Segue a série de desenhos animados com atenção na televisão e agora para tornar as suas lutas mais verdadeiras pediu o seu castelo.  Mas não só. Também quer uma cassete para a Playstation. A mãe defende-se como pode. E como as finanças não chegam para tudo, "durante o ano compro-lhe jogos usados em lojas de artigos para computadores" e para a compra de brinquedos "opto pelas lojas dos 300", diz Ana Craveira. Em ocasiões de maior festividade, caso do aniversário e Natal, a coisa muda de figura. "Ofereço-lhe um jogo novo e um brinquedo melhor". Até porque "as crianças hoje em dia acabam por não dar muito valor a nada".
Dos desenhos animados dos Medabots, a sobrinha de Juliana, vendedora da loja de brinquedos "generalista" tirou a ideia de querer o "robot menina" da série. "É uma personagem muito engraçada e por ser uma menina despertou-lhe a atenção", esclarece a vendedora. Mas o pedido não vai poder ser atendido por mais que a tia quisesse. Quem fabricou os "robots meninos", de seus nomes Metabee e Rokusho esqueceu-se da "menina". Juliana lamenta a não opção: "Se a tivessem fabricado teriam vendido imensas".

Os mais desejados

Numa ronda às principais cadeias de lojas de brinquedos e grandes superfícies comerciais elaboramos uma lista dos mais vendidos até ao momento. A maioria das campanhas de Natal para a venda de brinquedos teve início em Novembro mas, entre os responsáveis de secção das diferentes lojas, é consensual que o pico de vendas é atingido apenas em Dezembro, altura em que se definem melhor as tendências de compra. Como tal os dados aqui apresentados servem de mero indicador do consumo até ao momento da sua recolha (21 de Novembro).

Secção menina: Barbie e o seu carro; Nenuco com acessórios; bonecas Polly Poket.
Secção menino: Bey Bladers básicos com lançador; robots Medabots; carros em miniatura de metal; veículos de condução movidos a bateria.
Secção pré-escolar: Andadores; puzzle Noddy.


  
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Edição:

N.º 140
Ano 13, Dezembro 2004

Autoria:

Andreia Lobo
Jornalista, A Página da Educação
Andreia Lobo
Jornalista, A Página da Educação

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