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A falácia da aprendizagem - II

Universalização do ensino fundamental no Brasil

Em nosso entendimento, é imperioso que os intelectuais de esquerda se proponham a revisar, de maneira menos idealista e numa perspectiva mais concreta, os seus projetos; tantos os que foram apropriados pela direita quanto os que ainda estão sendo gestados. Pois, reconhecendo os primeiros como efetivamente seus, terão a oportunidade de redimensioná-los numa proposta política, possibilitando o redirecionamento daqueles que ainda não foram colocados em prática. Se num passado recente as bandeiras defendidas pela esquerda, tais como: participação, autonomia, liberdade e cidadania foram incorporadas ao discurso (neo)liberal, implicando no esvaziamento do conceito de democracia; no presente, podemos observar que algumas dessas ?novas? bandeiras ideológicas da esquerda, como por exemplo a defesa da qualidade da educação, já estão sendo encampadas e praticadas pelos (neo)liberais sob a ótica capistalista-mercantil.
Assim é que, podemos encontrar em GENTILLI (1994 a),
?(...) Também enfatizamos que tal discurso tem-se caracterizado por adotar o conteúdo definido pelos debates sobre qualidade no universo produtivo. Identificamos este como um duplo processo de transposição, mostrando como sua aplicação, em alguns casos concretos (p.ex: Chile, Brasil e Argentina), conduz ao aprofundamento das diferenças sociais instituídas na sociedade de classes, ao mesmo tempo em que intensifica o privilégio e as ações políticas dualizantes?.
Dentro desse contexto, o discurso (neo)liberal atrela o conceito de qualidade ao conceito de propriedade, instaurando propositadamente a falsa compreensão que se deva ter entre um e outro; logo, nessa perspectiva, a qualidade não se consubstancia em elemento qualificador do direito à educação, mas tão somente como um produto a ser ?adquirível no mercado dos bens educacionais?.
É por este viés (neo)liberal que o capitalismo vem fomentando a necessidade de expansão da educação, sobretudo, aquela que se deve buscar no mercado e não aquela que, por força legal, tem que se ofertada pelo Estado, pois, na ótica capitalista, esta não oferece qualidade. Isso reforça a proposição de que, ao defenderem a categoria ?qualidade? na educação, os educadores de esquerda poderão estar corroborando as propostas de ?gestão? sugeridas pelos (neo)liberais.
A resistência a essa investida deve ocorrer, à medida em que os representantes dos movimentos dos educadores de esquerda se proponham a discutir e a assumir de fato que estiveram ao longo da história recente do país, ratificando uma forma escamoteada de democracia, em cuja fundamentação está o direito à representatividade e à ?igualdade? jurídica. Compreender, portanto, que as ?velhas bandeiras? pelas quais lutaram, são as mesmas que os (neo)liberais e os (neo)conservadores resignificaram e estão oferecendo nos dias de hoje. É imperioso que procedam, segundo assinalou LIMA (2001),
?(...) Sem dúvida, a descentralização, a autonomia e a participação constituem-se em categorias fundamentais para se concretizar uma gestão democrática.Entretanto, precisamos fazer uma análise crítica desses conceitos, visto que, estes podem encobrir os propósitos da ofensiva (neo)liberal de diminuição do papel do Estado de mantenedor das políticas sociais?.
Essa revisão crítica dos conceitos acima apresentados,pode ajudar a desvelar o porque da ?continuidade do projeto societário do Regime Militar para a Nova República, apesar da instauração da democracia representativa?(NOGUEIRA E BORGES, 2002, p.13); remetendo os educadores de esquerda engajados nos movimentos sócio-político e educacionais do país, a um exercício dialético que os possibilite denunciar cada vez mais a falácia que se constitui a universalização do ensino fundamental no Brasil.

Considerações finais

Numa tentativa de fechar esta reflexão, porém, não o assunto, visto que este se insere na pauta dos debates atuais, sobretudo, nos meios acadêmicos; importa nesse momento, reforçar o papel dos educadores de esquerda junto à sociedade civil, a fim de que esta reúna condições para pressionar a sociedade política no que diz respeito à construção e à aplicação da política educacional, porque é efetivamente nessa esfera que se dá a formulação, a imposição e a fiscalização da legislação que regula o ensino no Brasil. Para tanto, a revisão histórica de como o processo de (des)construção do ensino público vem sendo arquitetado pelo Estado (neo)liberal e em boa parte, endossado pelos educadores, é condição sine qua non para que estes possam, no plano real, redefinirem o conceito de democracia dentro de uma perspectiva de transformação social. O desafio a ser encarado pelos educadores de esquerda e pelos representantes das classes subalternas, é justamente o de oferecer aos seus representados, o maior nível de conhecimento crítico possível, a fim de que passem a participar ativamente das decisões políticas que determinam a condução das políticas sociais do país, dentre elas, a política educacional.

Nota:
A primeira parte deste ensaio foi publicada em a PÁGINA de Agosto-Setembro, p. 44

  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 138
Ano 13, Outubro 2004

Autoria:

Francisco Leonardo dos Santos Cavalcante
Graduado em Pedagogia e Pós-Graduando em Fundamentos da Educação na UNIOESTE ? PR, Brasil
Francisco Leonardo dos Santos Cavalcante
Graduado em Pedagogia e Pós-Graduando em Fundamentos da Educação na UNIOESTE ? PR, Brasil

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