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A matemática dos furos

A cor das Escolas

Com os horários impressos a computador um grupo de raparigas conta os "furos" do dia. Uma operação fácil de fazer ao contrário: só têm dois professores: Matemática e Educação Visual e Tecnológica.

Três pessoas atravessam o átrio da escola, uma espécie de sala de convívio repleta de mesas e bancos semelhantes aos dos jardins. Numa dessas mesas um amontoado de jovens joga às cartas. Até que uma das raparigas vê no trio alguém conhecido: "Oh stôra, oh stôra, estamos aqui!" Num impulso os bancos ficam vazios. Os jogadores precipitam-se eufóricos. "Oh stôra!" Afogada num turbilhão de beijos e abraços a "stôra" muda de identidade no meio de tanta agitação. A alegria, o modo de vestir e uns centímetros a menos, pouco a distinguem dos seus alunos.
Momentos depois, a "stôra" Sónia Sousa está de visita na sala dos professores da Escola Básica 2,3 André Soares, em Braga. No ano passado cumpriu lá o seu ano de estágio, deu aulas de Ciências da Natureza. Nada mais. Não fosse o entusiasmo com que foi acalorada pelos seus "antigos" alunos, quando passava no átrio. São estas reacções que deixam Sónia orgulhosa do seu trabalho.
Um orgulho que este ano não sentirá. Ficou impedida de entrar no concurso de colocação de professores relativo ao ano lectivo que agora começa. Por antecipação do ministério, o processo ocorreu em Janeiro de 2004 e nessa altura Sónia e os outros estagiários ainda não possuíam a licenciatura, que iria ser concluída apenas em Maio. Assim, ficaram de fora do concurso público. "Um absurdo que ninguém conseguiu impedir", lamenta Sónia.
Resta-lhe agora a probabilidade de ficar colocada no ano lectivo de 2005/06 entretanto espera-a o desemprego. "É uma pena", ver a vontade de trabalhar acumulada no estágio ser depois refreada pelo ministério da Educação. "Sobretudo quando há uma necessidade de tornar o ensino mais jovem", lamenta a professora. Os alunos também: "Oh stôra por que não fica connosco este ano, nós ainda não temos stôra de Ciências?"
 Com a cena do átrio bem presente, Sónia arrisca a imodéstia para dizer que o seu grande mérito durante o estágio foi o de "conseguir lidar com os alunos de uma maneira mais informal". A "pouca diferença de idade" entre ela e os seus alunos fê-la "compreender melhor a forma de ser e de estar deles". À luz dessa empatia o entusiasmo manifestado no átrio ganha mais cor. Só não conta para efeitos de graduação.

Jogar à defesa

Hermelinda Miranda, entra na Sala dos Directores de Turma. Não está de visita. Com 10 anos de serviço pertence ao Quadro de Zona Pedagógica de Braga. Deu aulas de Inglês na EB 2,3 André Soares, no ano lectivo passado mas agora não terá "essa sorte". Está na escola de passagem. Apesar de já ter dado aulas de apresentação e fazer tenção de "seguir com a matéria" até a situação com o atraso na publicação das listas de colocação estar resolvida.
            Aos alunos, Hermelinda Miranda não explicou que seria uma professora "provisória". Confessa que "achou melhor assim". É que "as primeiras aulas são as mais complicadas pois são aquelas em que o professor costuma medir forças com os alunos". Se os alunos soubessem da vinda de uma nova professora, Hermelinda suspeita que o seu trabalho seria ainda mais difícil. "Não é muito correcto para eles, mas é uma defesa mental para mim?"

Férias forçadas

Com os horários impressos a computador um grupo de raparigas conta os "furos" do dia. Uma operação fácil de fazer ao contrário: só têm dois professores: Matemática e Educação Visual e Tecnológica.
Por 45 minutos de aula de Educação Visual e Tecnológica, Cláudia, Joana, Bárbara e Alda, passam o resto da manhã à conversa na escola. Esperam pelo toque que as autorizará a sair para o almoço. Quando saírem rumarão a casa de Joana. De tarde não têm aulas. No dia seguinte estarão de volta. Uma aula de Matemática no último tempo. São as férias forçadas pela não divulgação da lista de colocação de professores.
"Estar este tempo à espera das aulas sem fazer nada é muito cansativo." O lamento de Joana é partilhado pelas amigas. Esgotadas as conversas sobre as férias e os "amores" de Verão, urge mudar de assuntos. Falar dos tiques dos "stôres", da forma como se vestem, reclamar das matérias difíceis... Tudo menos "a seca" que estão a passar.
Mas antes fosse só a monotonia a incomodar os "furos" das jovens. Este ano, é a primeira vez que a reorganização do Ensino Básico chega ao 9º ano, que frequentam. Vêem aí os Exames. E as preocupações estão voltadas para "Eles". Se a situação se mantiver por mais tempo Bárbara prevê dificuldades no cumprimento dos programas. "Não vamos ter tanto tempo para dar a matéria e rever a dos anos anteriores e isso vai-nos afectar, sobretudo a Português".
O Português, começa Cláudia, "essa disciplina tão?" o grupo acena afirmativamente com a cabeça ainda a frase nem terminou. Não se sentem "muito preparadas" nesta matéria. Bárbara tem de recuar na memória ao 7º ano para encontrar um professor de Português que considera ter sido um "bom professor": divertido e cujas aulas não eram "uma seca". À custa das dificuldades com a ortografia, Joana fez questão de "pegar" logo no livro de Português para "ler algumas coisas". Por escrever "à moda dos SMS" já sentia algumas dúvidas quando queria escrever fora do ecrã do telemóvel. E quis pôr os acentos no sítio.

Reuniões em duplicado

Dario Ribeiro, professor de Educação Visual e Tecnológica, faz parte do "corpo de bombeiros", dos que há alguns anos - no seu caso há mais de 20 - estão efectivos da escola. Tal posição permite-lhe ver o problema do atraso nas colocações de um outro prisma. O das reuniões em duplicado a que irá obrigar. "Participei num conselho de turma onde só estavam presentes professores de três disciplinas", desabafa.
Este é outro dos problemas que o Conselho Executivo terá de resolver quando estiver completo o corpo docente do agrupamento, de cuja sede é a EB 2+3 André Soares. "Já pedi aos professores que estão na escola para assim que chegarem os que faltam fazerem reuniões extraordinárias para os integrar ", refere Maria da Graça Moura, presidente. E as reuniões com os pais.
Assim que a futura professora de Português de Joana chegar à escola vai ter muitas dúvidas para esclarecer. Quanto às preocupações dos alunos com "os atrasos nas matérias", Maria da Graça Moura garante que o Conselho Executivo irá avaliar os danos causados pelos atrasos nas colocações e, caso se justifique, "definir estratégias de recuperação" sobretudo nos 9º anos. Mas essa tarefa só poderá ser realizada "quando tudo voltar à normalidade". Sem "furos", nem faltas. Depois resta fazer o mesmo que Cláudia, Joana, Bárbara e Alda tencionam fazer nas aulas: "dar o máximo".


  
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Edição:

N.º 138
Ano 13, Outubro 2004

Autoria:

Andreia Lobo
Jornalista, A Página da Educação
Andreia Lobo
Jornalista, A Página da Educação

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