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À espera de uma colocação

Prevista por uns. Surpresa para outros. Os atrasos nas colocações de professores trouxeram à ordem do dia o drama anual dos contratados, de uma forma nunca vista. Quando tudo estiver resolvido, a contar pela última data anunciada a 30 de Setembro, outros dramas se seguirão.

?Às vezes estou em casa e não sei o que fazer, nem tenho vontade de fazer seja o que for?. É com impotência que Arlete Gomes, 28 anos, professora de Ciências Naturais do 3º ciclo e secundário, tem acompanhado os sucessivos adiamentos da colocação de professores.
Horas perdidas em zappings frenéticos pelos vários canais de televisão. Jornais com poucas notícias para tanta avidez de informação. Cliques desesperados na Internet. Numa rotina semelhante à dos 50 mil professores que aguardam por saber onde vão leccionar no ano lectivo de 2004/05.
A sua história poderia ser a de muitos outros. Com seis anos de serviço, Arlete quis esperar por alguma estabilidade. Prolongou a estadia em casa dos pais ao máximo. Foi adiando o casamento. Até simplesmente se cansar de ?adiar a vida?. Marcou a data da cerimónia para o ano. Decidiu ?arriscar?. Não sabe em que escola vai trabalhar este ano, mas o namorado irá tentar arranjar emprego no sítio onde ela ficar colocada.
A experiência mostrou-lhe que é mais comum na sua área conseguir entrar no Quadro de Zona Pedagógica em regiões como o Alentejo. Arlete está preparada para efectivar longe de Braga, onde actualmente vive. ?Sei que uma aproximação à residência pode levar anos!? Por isso diz-se preparada para fazer a vida por ?lá?. Onde quer que esse ?lá? seja.

Sem vontade de trabalhar

Prefere que não divulguemos o seu verdadeiro nome. Há dois anos conseguiu colocação através dos mini-concursos. Com as mudanças nas regras dos concursos no ano passado Cristina (nome fictício) não ficou colocada. Teve a sorte de conseguir dar aulas de Inglês numa escola profissional. Não deixou, contudo de concorrer ao ensino público.
Mas desde o anúncio dos sucessivos erros das listas, que esta professora de 27 anos, três anos de serviço, olha para o concurso com ?desconfiança?. ?Está tudo muito confuso e, sinceramente, já não sei o que é que vai sair nestas listas?? desabafa. Sentimentos como estes serão difíceis de dissipar. Mesmo com garantias de fiabilidade no que toca às listas verdadeiramente definitivas, as realizadas manualmente.
Há ainda um cansaço e uma insegurança que, dizem os professores, vai ter reflexo no seu desempenho profissional. Arlete partilha dessas opiniões. ?Sinto-me sem aquela vontade de trabalhar ??

Gerir a confusão

Contrariar angústias é uma tarefa que Fernanda Mendonça, presidente do Conselho Executivo da Escola Básica 2+3 e do agrupamento vertical de Alfena, Valongo, terá de abraçar. 
Angústia dos professores que pertencem aos quadros e que já estão a trabalhar nas escolas. Dos que pediram afectação e não sabem se vão conseguir e dos que pediram destacamento. Pois todos têm de se apresentar na escola onde leccionaram no ano lectivo passado até saírem as colocações.
Neste cenário Fernanda Mendonça acredita que o seu papel na escola é o ?de manter a calma e não fazer dramas?. A situação da EB 2+3 até não é das mais críticas, comparativamente à de outras escolas. Faltam apenas 4 professores, num total de 98 necessários para os 696 alunos. Porém há que contar com os pedidos de destacamento, ?com os professores para quem são feitos horários de 22h e que pedem reduções de 8h?, com a dificuldade de ?casar os horários aos dois professores que leccionam a Área Projecto, no 2º ciclo? e outras tantas. Peças soltas que obrigarão a um reajustamento dos horários quando todos os docentes estiverem na escola.
No Pré-escolar e no 1º ciclo o caso é mais problemático: faltam cinco educadoras e 20 professores para um total de 650 alunos. ?É um panorama aborrecido?, analisa Fernanda Mendonça. Sobretudo em alguns casos o arranque das aulas está comprometido. Numa EB1 onde são necessários três professores não há nenhum, noutra onde devem ser cinco professores faltam dois, num Jardim de Infância simplesmente não há educadoras.

Apresentações sem professores

Ainda se esperava a divulgação das listas no dia 20 de Setembro e já José Gomes, presidente do Conselho Executivo da EB 2+3 e do agrupamento de escolas da Areosa, Porto, admitia a hipótese de, após o início das aulas, poder ?fazer um interregno? no ano lectivo. Isto na eventualidade ? dias depois confirmada ? de as colocações de professores se poderem atrasar para lá da data marcada para o início das aulas.
O tempo necessário até à chegada dos professores em falta: 18 num total de 70 para os 600 alunos da EB 2+3; nove num total de 11 para 300 alunos na única EB1 do agrupamento e um num total de duas educadoras para as 50 crianças inscritas no Pré-escolar. A justificação para tal medida não poderia ser mais óbvia: ?Não temos condições para ter alunos sem aulas nas escolas.?
Na Escola Secundária D. Afonso Henriques, Santo Tirso, minimizam-se os danos. Marcaram-se as apresentações do 10º ano para o dia 23 de Setembro sem que a maioria dos directores de turma estivessem colocados. A escola terá de esperar por 28 professores num total de 64 para 538 alunos.
Por ser um ciclo crucial para quem aspira ao ingresso no Ensino Superior a angústia suscitada pelos atrasos nas colocações dos professores atinge também os alunos. ?Estão constantemente a telefonar para a escola para saber quando começam as aulas?, diz Zeverina Fontes, vice-presidente do Conselho Executivo.
?A situação é péssima, estamos bastante preocupados?, repete. A falta de professores está a condicionar as reuniões e isso prejudica a planificação das actividades escolares. ?Este ano lectivo vai ser muito afectado por este atraso?, conclui Zeverina Fontes.

E depois da colocação

Não restam dúvidas. Ainda que as listas das colocações sejam divulgadas na data prevista, 30 de Setembro, há quem aponte meados de Outubro como o período provável para que tudo nas escolas esteja a funcionar ?na normalidade?. E mesmo assim já se adivinham outros dramas.
?Os alunos vão sair prejudicados com estes atrasos se a escola ou do Ministério da Educação (ME) exigirem que o programa seja dado até ao fim?, alerta Cristina. E ainda que as escolas possam, de acordo com as instruções do ME, atrasar o fim do ano lectivo uma semana, Cristina não acredita que seja suficiente ?para compensar o tempo perdido?.
Não apenas o tempo que já se perdeu mas o que ainda se vai perder depois da divulgação das listas. Com os deslocados a ter de arranjar alojamento e a reorganizar a vida. ?Os três dias para me apresentar numa escola não são suficientes se tiver de ir do Porto para o Algarve?, desabafa Cristina.

O que falhou

O programa informático, diz o ME. Mas há quem tenha outras teorias. ?Não quero pensar que haja tanta irresponsabilidade e tanta ignorância sobre os procedimentos dos concursos, é menos triste acreditar que tenha havido um boicote?, diz Fernanda Mendonça.
Os professores contactados pela PÁGINA apontaram o facto do recrutamento e selecção de docentes ter englobado todos os níveis de ensino num único momento de candidatura como a causa provável para a confusão instalada com as colocações. Para José Gomes seria preferível que ?o concurso continuasse a ser compartimentado?. Tal como sucedia com o sistema antecessor onde só ?na 1ª parte do concurso ficavam resolvidas 40% das colocações?.
Aureliano Bessa, presidente da Federação das Associações de Pais da Maia não está preocupado em saber o que falhou em todo o processo. Limita-se a fazer um reparo. Não entende, por exemplo, ?que haja docentes efectivos nas escolas sem que nunca lá tenham dado aulas pois todos os anos pedem destacamento?. E acredita que deveria ser encontrada uma solução que resolvesse esta questão.
O que realmente preocupa Aureliano Bessa é o facto de o Estado não considerar o Ensino e a Educação ?como áreas prioritárias para o desenvolvimento do país?. ?Não é compreensível que a cada nova legislatura haja mais do que um ministro da Educação que chega ao ministério com vontade de ?inovar? adaptando tudo aos seus pontos de vista?, critica. E para concluir deixa um conselho tantas vezes repetido como ignorado: ?Sigamos o exemplo da Irlanda?.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 138
Ano 13, Outubro 2004

Autoria:

Andreia Lobo
Jornalista, A Página da Educação
Andreia Lobo
Jornalista, A Página da Educação

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