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Queira saber, senhor professor

Ensaio de Etnopsicologia da Infância

Para a equipa do projecto da Página
?E agora, Senhor Professor?

Surpresa e prazer. Esses foram os sentimentos que me invadiram, quando tive a honra de receber pelo correio, uma cópia do livro E agora Professor?, que o nosso  Director José Paulo Serralheiro, me  tinha enviado. Mais tarde, nesse dia, um muito querido antigo discípulo meu, hoje o Professor Ricardo Vieira, acompanhado pelo nosso novo colega de pesquisa, José Maria Trindade, trouxeram-me em mão, o mesmo livro desta feita, com uma dedicatória personalizada, o que agradeço. O conteúdo do livro está organizado por textos como: ?A Segunda Pele?; ?Darwinismo Escolar?; ?Trabalho académico dos professores do ensino superior...?; a freiriana dúvida de ?entre a teoria e a prática?, bem como outros textos que contribuem para abrir a porta para essa escola que na Página temos reivindicado durante anos ? a escola dos pais, a do diálogo entre docentes/estudante/trabalhador; a da realidade sócio-económica como parte do currículo académico; a procura da autonomia do saber, da pesquisa do académico que entende o real por meio de modelos não analíticos, mas ideológicos. Modelo que levam a dizer publicamente à referida professora com vontade de abrir uma instituição mas que ao mesmo tempo foge quando percebe que o seu poder não está acima do dos seus estudantes. O debate docente ? pai, está fortemente ligado com laços de ternura para o estudante e de compreensão para os professores. Este curto livro, já publicado em artigos no jornal, está repleto de ideias bases na eterna luta pela mudança escola, como forma de encurtar o espaço entre escola e lar, de dar voz a esse terceiro, o estudante a ao seu entendimento, sem o qual a escola não existia.
Em 1990, referi num livro que à escola era suposta subordinar novos cidadãos ao Estado, ao Direito, ao IRS, uma gentileza e, especialmente, ensinar o mínimo, não para inglês ver, mas para controlar a força de trabalho. Exactamente como faz o Código Civil, que espalha a responsabilidade infantil ? objecto do livro que me foi oferecido ? por mais de dois mil artigos: a criança e os pais, a criança e a idade, a criança e a reprodução, a criança e os bens, a criança e os contratos, a riqueza e os seres humanos excluídos da sua gestão, incapacitados para a tratar e, aos seus trinta anos, passam a ser de oito ou, melhor dizendo, menor: ART. 122º Do Código Civil Português(1), actualizado em 2001: É menor quem não tiver ainda completado dezoito anos de idade. E da mesma lei, ART.124º: A incapacidade dos menores é suprida pelo, poder paternal, subsidiariamente, pela tutela, conforme se dispõe nos lugares respectivos. Senhores escritores do livro: sem se saber a lei, a coordenação entre docentes/estudantes/tutores, fica dificultada. Quem manda é a casa, e não a escola nem as leis acerca da escolaridade: são as leis Civis e Penais ou Códigos, sem esquecer a Nova Concordata entre os Estados Português e do Vaticano, renovado dias antes do mundial os nossos comandos televisivos: uma Fátima redimida pelo povo que vós envia alunos e que não é referido no livro; donde, outra ideia é ler, por favor, os livros autónomos e premiados dos que contribuíram para o que comento, bem as obras de Telmo Caria, Manuela Ferreira, João de Deus, Ana Maria Bénard da Costa, e, é evidente, a LEI.
Outra ideia: sem saber legislação sobre seres humanos, sobre a sua relação com os bens, arriscamos-nos a ser ?Os Párias? referidos no texto. Assim possamos contribuir para a análise do Portugal de Salazar para Robert Merton(2) , e Talcott Parsons(3) e as suas ideias sobre socialização. Esta ainda, uma outra ideia. Sem descurar Karl Marx(4) e as sua teorias da Mais Valia de 1861-63, ideias fundamentais para entender outra ideia ainda mais simples: tanto a criança actual como o adulto de hoje, outrora também criança, têm orientado as suas ideias pela teoria quotidiana da cultura e não pelo saber académico dos eruditos. Saber que permanece entre eles e mais ninguém entende. Porquê? Já Freud o diz em 1920(5): a teoria psicanalítica admite sem reservas que a evolução dos processos psíquicos são regidos pelo princípio do prazer. Por outras palavras, para evitar o desprazer, a zanga e a mágoa, o estudante disfarça com jogos, com a indiferença e outros comportamentos, desenvolvidos pelo autor no seu Au-delà du príncipe de plaisir: um estudante que apareça com um trabalho inovador, uma composição original, uma História de Afonso Henriques retirada do livro oficial, essa criança está a tentar  fugir dessa experiência, muito natural no sistema onde impera o capital, de sentir que a sua auto estima está a ser abalada, atropeladas, abatida, como Freud analisa em 1923(6), no Capitulo 3 da versão que uso do seu Le moi et le ça ?, para evitar o que o autor já tinha advertido em 1901: adoecer, criar psicopatologias da vida quotidiana, evitar os erros de leitura e escrita, os da análise aritmética, causados pela perseguição do óptimo, procurado na interacção social do capital globalizado, no Capítulo 6 da versão que uso do seu Psychopathologie de la vie quotidienne(7)?. Ideia sintética e última sugestão.
Pretendo que todo professor seja um terapeuta? Não, apenas um bom conhecedor dos patamares da sua cultura sócio-económica, da divisão em classes sociais existentes desde há milhares de anos e esquecida na análise do texto. É esse o meu orgulho como leitor que fez com que eu mudasse o meu texto mensal para estas novas vias e estas formas ao citar livros da Net, indispensáveis para o estudante estudar e para o professor saber ensinar. Arrisco-me a levar à falência as editoras...mas ficam os objectivos da Escola definidos e finalmente materializados.


Notas:

  1. http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&ie=UTF-8&q=C%C3%B3digo+Civil+Portug%C3%AAs&btnG=Pesquisar&meta=
  2. http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&ie=UTF-8&q=Robert+Merton&btnG=Pesquisar&meta=
  3. http://www.google.pt/search?q=Talcot+Parsons&hl=pt-PT&lr=&ie=UTF-8&start=10&sa=N
  4. http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&ie=UTF-8&q=Karl+Marx+Theories+of+Surplus+Value+1861-63&btnG=Pesquisar&meta=
  5. http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&ie=UTF-8&q=Sigmund+Freud+Au-del%C3%A1+du+principe+du+plaisir&btnG=Pesquisar&meta
  6. http://www.uqac.uquebec.ca/zone30/Classiques_des_sciences_sociales/classiques/freud_sigmund/essais_de_psychanalyse/Essai_3_moi_et_ca/Freud_le_moi_et_le_ca.doc
  7. http://www.uqac.uquebec.ca/zone30/Classiques_des_sciences_sociales/classiques/freud_sigmund/psychopathologie_vie_quotid/Psychopahtologie.doc

  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 136
Ano 13, Julho 2004

Autoria:

Raúl Iturra
Instituto Superior das Ciências do Trabalho e da Empresa, Lisboa
Raúl Iturra
Instituto Superior das Ciências do Trabalho e da Empresa, Lisboa

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