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O Plano de Prevenção do Abandono Escolar (I)

A receita é conhecida. Lança-se um plano megalómano, com pompa e circunstância quanto baste, para iludir a inépcia e a incompetência. O senhor ministro David Justino e o senhor ministro Bagão Félix, bem apoiados pelos seus assessores de imagem, mostraram, mais uma vez, que sabem a música de cor e salteado. De pin ao peito, vieram ambos, a público, anunciar o Plano Nacional de Prevenção do Abandono Escolar (PNPAE). Se os números do abandono, os números das taxas de saída antecipada e os números das taxas de saída precoce justificam certamente medidas enérgicas e decididas nesse âmbito, resta saber, apenas e todavia, se aqueles mesmos ministros entendem esses números como um problema central às escolas e à sociedade em que vivemos ou se os abordam, antes, como a expressão de um problema lateral às mesmas. É que se entendemos a problemática do abandono escolar como uma problemática central necessitamos, então e sobretudo, de uma intervenção estruturante que possa afectar o funcionamento quotidiano daquelas escolas ao nível da sua organização e administração, ao nível da disponibilização dos recursos adequados e, finalmente, ao nível da qualidade dos dispositivos de intervenção educativa que aí se implementam.
Pode o plano do governo assumir uma dimensão tão ambiciosa e clarividente? Não cremos. Embora o documento que revela o PNPAE seja suficientemente prolixo, isso não significa que estejamos perante uma proposta tão generosa como esse documento pretende dar a entender. Avaliando as medidas aí enunciadas constata-se que algumas terão, seguramente, efeitos contrários aos anunciados, como é o caso, por exemplo, da tão propalada e insensata contracção, de nove para seis anos, do actual Ensino Básico. Há (e como poderia não deixar de haver?) medidas que são do mais puro marketing político, das quais se destacam, entre outras, aquelas que se referem quer ao enquadramento legal dos Conselhos Municipais da Educação quer à melhoria da qualidade das instalações, da alimentação e da saúde quer ao reforço da componente experimental e tecnológica na área das ciências. Há, também, as medidas que correspondem às promessas de sempre cuja implementação exigiria, pelo que se tem visto e ouvido até agora, que acontecesse um autêntico milagre da multiplicação dos pães. É o caso do programa de duplicação do número de vagas  do Ensino Profissional e Tecnológico de nível Secundário e, neste âmbito, da tão bem embrulhada Rede EDUTEC através da qual nos prometem um complexo de 15 a 20 escolas públicas de referência que serão identificadas pelos seus projectos inovadores de educação-
-formação. É o caso, igualmente, da promessa de instalar 84 Centros de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências que permitam a 50 000 adultos obter o diploma do Ensino Secundário e encaminhar para um processo idêntico a ninharia de uns outros 250 000.
Para além destas medidas, confrontamo-nos ainda com outras que são contraditórias com posições recentes do próprio Ministério da Educação. Para quem se mostrou tão agressivo e desconfiado face às actuais áreas curriculares não-disciplinares é, no mínimo, paradoxal que se venha agora defender uma estranha área curricular autónoma de formação pessoal e social que visa sensibilizar os alunos do futuro 3º Ciclo para o exercício de uma profissão e aqueles que frequentam o Ensino Secundário para a assunção de um empreendorismo do tipo água-benta. Para quem travou a revisão curricular do Ensino Secundário proposta pelo último governo PS é também estranho que se venha defender, neste momento, uma das medidas mais emblemáticas dessa revisão, aquela que permitia a mobilidade dos alunos entre os diferentes tipos de oferta educativa que nesse nível de escolaridade poderão vir a ser disponibilizados.
Confrontamo-nos, enfim, com medidas ridículas, como é o caso, infelizmente, da inarrável campanha publicitária que os diferentes canais televisivos têm vindo a difundir, assim como nos confrontamos com aquelas medidas que nunca poderão corresponder às expectativas que vão acabar por criar. A retórica em torno do professor-tutor, a missão impossível e a filosofia retrógada de que enfermam os Centros de Apoio Social Escolar (CASE?s), o programa «Pais na Escola» e o investimento no domínio das actividades extra-curriculares ou o papel redentor do desporto escolar são alguns dos exemplos mais gritantes desse conjunto de medidas que nos obriga a perguntar como é que de repente se tornou possível tanta fartura. Há também as medidas incompreensíveis como as que dizem respeito, em primeiro lugar, à formação de professores, depois de se ter destruído o INAFOP; há as que dizem respeito, em segundo lugar, ao plano de promoção da leitura-escrita, como se este plano fosse algo de excepcional e não uma exigência ordinária de qualquer sistema educativo que se preze; há, finalmente e em terceiro lugar, as medidas preconizadas para a Matemática por uma denominada Comissão de Sábios. Uma comissão que defende o reforço da componente lectiva nesta área, a utilização da Internet e a germinação dos clubes de matemática como soluções mágicas a utilizar para combater o problema do insucesso neste domínio curricular.
Visto assim, importa afirmar, então, que o documento que anuncia o PNPAE é um documento que promete, indubitavelmente, muito, sem nos dizer, no entanto, como é que as medidas aí contidas poderão vir a ser implementadas e, sobretudo, financiadas. Mas se este é um dos seus principais defeitos do plano em análise, outros há, todavia, que não poderão ser ignorados. A eles nos referiremos, por isso, e de forma mais circunstanciada no próximo artigo a publicar.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 136
Ano 13, Julho 2004

Autoria:

Ariana Cosme
Fac. de Psicologia e Ciências da Educação, Univ. de Porto
Rui Trindade
Faculde de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto
Ariana Cosme
Fac. de Psicologia e Ciências da Educação, Univ. de Porto
Rui Trindade
Faculde de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto

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