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No comum do senso comum as grandes e divertidas aprendizagens

As coisas estão no mundo,
Só é preciso aprender.
Paulinho da Viola (1)

A recente visita de meu cunhado Pedro, sua mulher Ana e seus filhos gêmeos Teresa e Guilherme, de 2 anos, vindos da saudosa Lisboa matar a saudade da família no Brasil, foi muito rica em termos de trocas de fotografias, além de toda a riqueza que as emoções de pessoas que se gostam têm quando se reencontram. Também tenho filhos: Pedro, 12 anos, Isabelle, 2 anos, e Amélia, com 6 meses, e aprendo muito com eles, com sua curiosidade, suas perguntas desconcertantes. Mas, muitas vezes, essas situações de aprendizagem que acontecem no cotidiano de nossas famílias são tão naturalizadas que não as compreendemos como situações reais de aprendizagem. É um pouco isso que quero resgatar neste texto.
Vou ser um ?pai coruja?, como se diz no Brasil, e começo por uma foto de Isabelle aprendendo a colher acerolas, em um pequeno condomínio familiar onde as crianças andam soltas em meio a árvores e muito espaço para brincar. Uma cena bastante comum para crianças que, de algum modo, têm oportunidade de vivenciar este tipo de espaço. Ela sempre vê a avó, ou a tia, ou a mãe, ou seja, os adultos irem colher acerolas, que é excelente para fazer suco, que ela muito aprecia, por sinal. Na foto, percebemos a mão de um adulto que agarra um cachinho de frutas, ato que Isabelle repete precisa, apesar do tamanho da sua mão.
Todos sabemos que a imitação é um dos principais recursos de que as crianças se utilizam para aprender, mas é também sabido que elas imitam inventando, indo além da mera imitação. Certeau (1994) nos diria que, também nas crianças, não há apenas um ?consumo? de um determinado processo, mas sim ?usos? particulares; ou seja, elas se apropriam dos nossos ?exemplos? e inventam suas próprias ações. Algumas vezes, encontro Isabelle repetindo, para sua irmã mais nova, as mesmas coisas que sua mãe e eu falamos para ela, mas os significados de suas falas são próprios dela, e não de nós, adultos.
Nesta segunda foto, vemos Teresa, sob o olhar atento de seu irmão gêmeo Guilherme, tendo uma ?aula? de como andar de bicicleta, ministrada pela professora Tamara, filha da caseira do condomínio e que tem 10 anos. Esta cena em nada fica a dever a tantas que vemos nas escolas: a dedicação e o cuidado da professora, a atenção e a tensão dos alunos diante do novo a ser aprendido. ?? Depois é a minha vez!? é uma frase muito cabível de estar sendo dita/pensada por Guilherme.
E fico pensando nas várias teorias da aprendizagem que estudei e que me dizem que, quando as crianças chegam à escola, já trazem uma bagagem de conhecimentos bastante considerável. Mais do que isso, é de se supor que, além dos conhecimentos, eles já tragam processos de aprendizagem próprios, adquiridos nos espaçostempos não escolares de suas vivências; mais ainda, posso também conjecturar que as crianças já possam ter uma idéia do que elas querem aprender, do que elas consideram importante.
Acontece que, nos espaçostempos não-escolares, suas escolhas são, muitas vezes, mais facilmente possíveis do que nos espaçostempos escolares, que têm formatos apriorísticos de aprendizagem, métodos preestabelecidos e conteúdos predeterminados. Também na escolafamília há muitas limitações de escolhas: ? Não faça isso. ? Cuidado com sua irmãzinha. ? Mas que coisa feia! ? Olha que você se machuca... Nos processo educativo, dentro e fora da escola, a aprendizagem dos limites é comum e importante. No entanto, precisamos ficar mais atentos para o fato de que a aprendizagem acontece com as crianças mesmo que nós, adultos, achemos que não, ao mesmo tempo em que devemos ter claro que as aprendizagens dificilmente são totalmente controladas por nós, adultos. Ou seja, nada garante de que os usos que nossas crianças fazem do que aprendem são os que esperamos que elas façam.
Um pouco disso é o que me diz essa foto de minha filha Isabelle se iniciando na arte de movimentar o mouse do nosso computador e ?escrever? no teclado. Não sei bem o que, mas é certo de que alguma coisa ela está aprendendo. Esse aprendizado, que começa como uma travessura de criança, vai além do nosso controle e faz parte de um sem número de conhecimentos que, cotidianamente, vão povoando as cabecinhas de nossas crianças, da mesma forma que povoaram as nossas um dia. Que pena que nossa memória, por vezes, nos prega peças e nos faz esquecer do prazer de aprender pelas vias descompromissadas da infância!

Nota:
(1)Compositor brasileiro de sambas, integrante da ala de compositores da Escola de Samba Portela.

  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 136
Ano 13, Julho 2004

Autoria:

Paulo Sgarbi
Fac. de Educação da Univ. do Estado do Rio de Janeiro
Paulo Sgarbi
Fac. de Educação da Univ. do Estado do Rio de Janeiro

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