Página  >  Edições  >  N.º 135  >  A propósito da gestão (?!) das escolas

A propósito da gestão (?!) das escolas

Colocados perante a proximidade, de entrarem pela escola adentro Gestores profissionais, vejo-me na obrigação de tecer algumas considerações acerca de tal questão. Antes de mais preocupa-me, para não dizer intriga-me, a hipótese de surgirem nas escolas pessoas que, embora possuindo formação académica adequada enquanto gestores e conhecedores dos mercados económicos muito poucos, certamente, terão formação específica relacionada com a componente pedagógica da escola, que é o principal ?produto? que esta ?fábrica? tem que produzir com qualidade.
Na ?empresa? Escola, o sistema produtivo é composto por: Conselho Pedagógico, Conselho de Directores de Turma, Conselho de Docentes, Departamentos Disciplinares, Conselhos de Turma e, por último, o Professor da Disciplina. Em última instância é este que define as operações a implementar e os processos a desenvolver de forma a serem atingidos os objectivos (leia-se competências) definidos pelo Sistema Directivo (Ministério da Educação) e que têm como ?matéria-prima?(1) os alunos que ao terminarem o ciclo de aprendizagem previsto serão olhados como o produto da Escola. Este produto revelará a sua qualidade na aplicação dos seus conhecimentos, competências e nas atitudes assumidas enquanto cidadãos produtivos.
Como todos sabemos, a avaliação da qualidade e do valor daquele tipo de ?produto? é complexa e altamente falível, logo, como é que os gestores profissionais conseguem determinar o valor final da cadeia do produto, a fim de definirem orçamentos e solicitarem os respectivos financiamentos, se mesmo depois de concluída a ?fabricação? não há uma forma inequívoca de efectuar tal cálculo?! Sabendo nós, que cada indivíduo é único e como tal possui uma forma específica e não replicável de desenvolver as suas competências, percebe-se o quão difícil é a ?fabricação? deste ?produto?, com base em orientações economicistas.
Este método que nos querem ditar está ultrapassado, é retrógrado e faz-nos recuar para os tempos das direcções unipessoais onde o posso, quero e mando reinava e as avaliações quer dos alunos quer dos professores, cumpriam regras duvidosas e altamente suspeitas, tendo como característica principal a elasticidade de princípios, além de que foi posto à margem em países mais desenvolvidos do que o nosso.
Não podemos esquecer que desde há já algum tempo, muitos professores se vêm especializando na área da gestão, através de cursos de formação pós-graduada em Administração e Gestão Escolar. Como tal, só há que aproveitar estas pessoas que já pertencem ao sistema, logo, ficam mais baratas, não se perdendo a visão pedagógica que é essencial para o bom funcionamento das escolas.
Sobre o aspecto anterior, gostava de alertar para a necessidade de se reforçar a formação daqueles professores na componente dos Sistemas de Informação e sua Gestão, conquanto, no ambiente altamente instável e turbulento em que vivem as sociedades actuais, é necessário que os gestores das escolas possuam uma vasta panóplia de instrumentos à sua disposição, para levarem a bom porto os objectivos ambicionados.
De referir ainda que, a escola enquanto local de mistura de culturas como é apelidada, merece uma maior e mais cuidada atenção sobre vários aspectos e não apenas como uma "fábrica" de produção do cidadão crítico e consciente do meio em que se insere, visto que, o facto de a escola ser uma organização altamente influenciável pelo meio envolvente, não será capaz, à luz dos modelos de gestão e organização actualmente propostos, de ultrapassar em prazos razoáveis os desafios que se lhe colocam, nomeadamente de modernização da sua atitude para adaptação às pressões e exigências do meio onde se insere. Sugere-se assim, uma visão sistémica de toda a escola (leia-se sistema educativo) e não edifício a edifício.
Com a sociedade moderna em permanente mutação, quer nas atitudes quer nos valores, especialmente no que se refere ao mundo do trabalho, do funcionamento das organizações e da forma como estas devem relacionar-se com o meio envolvente, assim se deverá pensar numa escola flexível, capaz de acompanhar todas as alterações operadas na sociedade. Assim, deseja-se uma efectiva reforma do sistema educativo para que a escola seja capaz de dar o salto qualitativo almejado.
Impondo, por decreto, modificações profundas consegue-se atingir os objectivos atrás referidos? Parece-me que não.
Será correcto e desejável, tentar praticar tais mudanças através de uma preparação adequada das pessoas, assumindo uma atitude holística e estruturante, auscultando as necessidades da base do sistema? Parece-me que sim.

Nota:
1. Gostaria de fazer uma ressalva à definição de matéria-prima utilizada para os alunos. Ao contrário da corrente pedagógica que olha os alunos como uma massa amorfa de barro, à espera de ser moldada pelo professor, na perspectiva actual os alunos são um sistema biológico complexo com as suas características únicas resultantes das interacções sociais, também elas complexas e contingenciais.


  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Edição:

N.º 135
Ano 13, Junho 2004

Autoria:

Luís Fernando Maurício
Professor em Portalegre
Luís Fernando Maurício
Professor em Portalegre

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo