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Os custos sociais e económicos da violência familiar e doméstica

Os excertos que a seguir se transcrevem* fazem parte dos principais resultados de um inquérito nacional sobre "Os Custos Sociais e Económicos da Violência contra as Mulheres", relativo à primeira fase de um estudo elaborado pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, através do Socinova - Gabinete de Investigação em Sociologia Aplicada, no quadro de uma solicitação da Comissão para a Igualdade e para os Direitos das Mulheres (CIDM). O estudo teve a coordenação de Manuel Lisboa e contou com a participação de Isabel do Carmo, Luísa Branco Vicente e António Nóvoa. A obra pode ser consultada integralmente ou requisitada na CIDM.


Excertos retirados da Introdução, da autoria do professor Manuel Lisboa


(...) Os custos individuais expressam-se nas vítimas e em outros agentes sociais relacionados com elas ou com os actos praticados. Os custos com uma dimensão mais societal decorrem da comparticipação acrescida em todas as organizações e instituições, resultante da ocorrência do acto de violência.
São disso exemplo: os custos com a justiça (tribunais, advogados, prisões e outros agentes de justiça), decorrentes do julgamento, prisão ou reabilitação das vítimas e de outras pessoas afectadas pelos actos de violência; os custos com as polícias, nomeadamente agentes, instalações e outros meios, programas especiais (por exemplo, o programa Inovar); os custos com as "casas-abrigo" e outros serviços para apoiarem as mulheres vítimas (APAV, Comissões de Atendimento da CIDM, etc.); os custos com as organizações de saúde (hospitais, centros de saúde e outros agentes de saúde, como os médicos privados).

(...) A questão dos instrumentos para medir os custos é, porventura, um dos aspectos mais marcantes para a observação do fenómeno: mais qualitativa e mais quantitativa. Há custos, que, pela sua natureza, num primeiro momento, só se deixam observar com instrumentos qualitativos. São disso exemplo os vários tipos de ruptura inter-pessoais, com os afectos associados, as expectativas não satisfateitas ao nível profissional e na educação, as frustrações e prejuízos de carreira daí resultaantes, os sintomas e as doenças físicas e psíquicas.


(...) O que habitualmente costuma designar-se por avaliação quantitativa dos custos diz respeito só a uma das suas dimensões: a económica. De facto, alguns desses custos podem ser objecto de cálculo macro-económico. É o caso dos que se expressam por faltas ao trabalho, perdas salariais devido à não progressão na carreira e a despedimentos, tempo e dinheiro gastos com divórcios, separações conjugais, médicos, medicamentos e meios suplementares de diagnóstico, idas ao hospital e a centros de saúde, internamentos, incapacidades e outros prejuízos económicos resultantes do insucesso escolar das vítimas e dos filhos.
Igualmente são de assinalar outros custos macro-económicos relativos a gastos orçamentais de organizações públicas e privadas e de instituições do Estado; estes particularmente dependentes da produção de estatísticas oficiais, muitas vezes insuficientes e, portanto, difícieis de avaliar.
De um ponto de vista da amplitude dos custos, alguns expressam-se directamente nas vítimas, o que poderá facilitar a sua observação, enquanto outros têm uma incidência mais difusa no tecido social e nem sempre são detectáveis. Igualmente, numa perspectiva temporal, há custos que decorrem imediatamente das acções de violência, enquanto outros são diferidos no tempo, vindo a manifestar-se mais tarde.


Excerto do capítulo dedicado aos "Custos ao Nível da Educação", da autoria dos professores António Nóvoa e Sofia Marques da Silva:

(...) os resultados (...) revelam, de forma sistemática e consistente, uma regularidade em prejuízo das mulheres vítimas: no insucesso escolar, na frequência das aulas, na integração na escola, etc. É uma regularidade relativamente silenciosa, mas que importa apreender em toda a sua complexidade, pois estas "pequenas percentagens" nos números de uma tabela traduzem-se, na prática, em dezenas de milhares de pessoas, mulheres e filhos que vêem prejudicados os seus percursos escolares devido a situações de violência.
E, como se afirma, no Relatório das Nações Unidas referente ao ano 2000 (The State of World Population Report 2000), o investimento na educação das mulheres tem consequências sociais e económicas mais significativas do que o investimento na educação dos homens: "Uma das razões prende-se com o facto de que as mulheres usam as suas caapacidades para promoverem os níveis de investimento na saúde e na educação dos filhos, criando um efeito de multiplicação de uma geração para outra".
Neste plano, merecem destaque os trabalhos de Jenny Horsman, nomeadamente a sua obra "Too Scared to Learn - Women, Violence and Education": "Se a educação não reconhecer a violência nas vidas das mulheres e das crianças, bem como o seu impacto nas aprendizagens, muitos alunos não só terão insucesso, como tenderão a viver o contexto escolar como mais um espaço de silêncio e de violência, onde são controlados e desvalorizados por estruturas institucionais e interacções pedagógicas que, de algum modo, os culpam pela sua incapacidade para aprenderem" (2000, p. 7).

(...)


Saliente-se que os dois autores ressalvam a seguinte nota:

Os custos sociais deste fenómeno são difíceis de medir. Mas eles surgem com clareza nas respostas das mulheres e no modo como a violência interefere com a sua vida escolar e com a vida escolar dos seus filhos. Aos investigadores exige-se que sejam capazes de retirar esta questão do "limbo" em que tem estado, relativamente adormecida, e trazê-la para o debate público.
É preciso compreender as razões que explicam a violência sobre as mulheres e as consequências que ela origina para a vida de cada uma e para a sociedade. É um percurso longo e difícil, pois não servem interpretações fáceis e falsamente evidentes. Fica aqui apenas um primeiro passo para compreender os custos sociais deste fenómeno na área da Educação.


*Publicado com a autorização do coordenador do estudo, professor Manuel Lisboa


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 135
Ano 13, Junho 2004

Autoria:

Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação
Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação

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