O autocarro abrandou ao chegar à paragem. O motorista abriu a porta ao ver que junto ao poste estava um velhote de bengala e óculos de sol. ?O senhor vai entrar??, perguntou ao verificar que o velhote estava meio distraído. Parecendo acordar de um sono dormido em pé o velhote estremeceu: ?Hum? Ah sim! Vou entrar, sim senhor!? Apoiou a bengala no piso rebaixado do autocarro e com o braço livre agarrou o corrimão da porta e guindou-se para dentro. O motorista fechou a porta e arrancou. O velhote agarrou-se o melhor que pode à máquina de registar os bilhetes. ?Diga-me, por favor, para onde se dirige este transporte?? Habituado a lidar com gente idosa o motorista não estranhou a pergunta. Um autocarro tem tantos destinos, pensou consigo próprio. ?O senhor quer ir para onde?? O velhote sentou-se na cadeira da frente ao lado do motorista. ?Bom, eu quero sair lá mais para adiante??, disse num tom cansado. Sem tirar os olhos do retrovisor ? os passageiros saíam e ele tinha de controlar as saídas para fechar a porta de trás ? o motorista continuou: ?Vamos lá ver se a gente se entende? este autocarro vai para a Boavista!? As palavras fizeram eco na cabeça do velhote: ?Boavista?! Mas eu não quero ir para lá!? E com isto levantou-se e agarrando-se um a um aos postes qual tarzan de liana em liana dirigiu-se a custo à porta de saída. Uma senhora de meia idade que entretanto tinha escutado metade da conversa entre o motorista e o velhote, pensando poder ajudar chegou-se a ele e aconselhou: ?Se o senhor quer sair no Hospital tem de sair na próxima paragem.? O velhote agradeceu a amabilidade. A senhora esclareceu que a paragem que existia ali tinha sido retirada por causa das obras do Metro. O velhote acenou afirmativamente com a cabeça como se a informação não fosse novidade alguma. O autocarro fez uma curva e voltou a parar. O motorista olhou para o retrovisor e abriu a porta de trás. O velhote agarrou-se ao corrimão da porta, pousou a bengala do passeio e desceu um pé, depois o outro e só quando se sentiu firme no chão largou a mão. O autocarro partiu rumo à Boavista e o velhote ficou parado no meio do passeio. Olhou em volta como se não fizesse ideia de onde estava e chamou uma rapariga de pasta à tiracolo e livros na mão que o contornara. ?Oh menina, desculpe, conhece a rua Engenheiro António Cardoso?? A rapariga olhou-o aborrecida. ?Isso fica perto de onde?? O velhote sorriu. ?Não sabe?? Perguntou numa voz desafiadora. E como a rapariga encolhia os ombros ergueu os braços e gesticulou: ?Fica perto daquelas árvores enoooormes? daquele jardim lindíssimo?? Ao ver que apesar das referências a rapariga não chegava lá o velhote voltou à carga: ?Então não sabe como se chama esse jardim belíssimo?? Envergonhada a rapariga balbuciou que não. ?Que pena!?, atirou o velhote olhando para a rapariga com uma expressão de lástima. Impaciente, procurando o mais rapidamente possível desenvencilhar-se da ?peça? a rapariga fez mais uma tentativa para conseguir perceber o que o velhote queria. ?Mas diga-me, o senhor afinal quer ir para onde?? Agarrando-se ao braço da rapariga o velhote retorquiu: ?E a menina para onde vai?? Que merda, eu já devia estar na Faculdade e estou aqui consigo, pensou a rapariga olhando para o relógio. Lutando para não deixar transparecer o que lhe ia na alma a rapariga sintetizou as informações fornecidas pelo velhote e pensou em voz alta: ?O senhor quer ir para a rua Engenheiro António Cardoso. Então, vamos ali ao quiosque ver se a dona sabe onde fica essa rua!? Com isto começou a andar. O velhote seguiu-a. ?Bom dia?, saudou a dona do quiosque. O velhote e a rapariga retribuíram o cumprimento. ?A senhora sabe onde fica a rua Engenheiro António Cardoso? Este senhor quer ir para lá!?, perguntou a rapariga. A dona do quiosque pensou por uns segundos, olhos postos no tecto da banca. ?Hum, não, essa rua não conheço!? Abanando a cabeça em sinal de pesar o velhote dirigiu-se à dona do quiosque: ?Também não conhece aquele jardim de árvores antiquíssimas que fica aí perto dessa rua?? De olhos arregalados a dona do quiosque procurou fazer o ponto da situação: ?Como se chama esse jardim?? O velhote suspirou. ?Não me lembro. Eu sou um bocado esquecido, sabe, é que já tenho 87 anos!? Cheia de pena do velhote, a rapariga insistiu: ?O que vai fazer à rua Engenheiro António Cardoso?? Talvez assim as coisas ficassem mais claras, pensou. ?Não vou fazer nada. Vou para casa!?, respondeu o velhote com lucidez. ?Ah!!!?, exclamou a rapariga. ?Então o senhor mora nessa rua!? Como a fila de clientes ia aumentando, a dona do quiosque, pediu-lhes que esperassem um bocado. Assim que o último cliente foi atendido, a dona do quiosque pegou num roteiro da cidade e abriu-o por cima da banca de jornais. ?Vamos lá então ajudar este senhor! ? Foi ao índice de ruas e lá encontrou a que procurava. ?Mas essa rua fica muito longe daqui!?, verificou a dona do quiosque espantada. ?Fica do outro lado da cidade, no Amial!?, exclamou virando-se para a rapariga. E como esta não apresentava sinais de saber onde ficava o Amial, a dona do quiosque acrescentou: ?Fica perto do jardim de Arca d?Água!? O velhote deu um salto. ?É isso, é isso! Arca d?Água é para esse jardim maravilhoso que eu quero ir!?
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