Não sou alfabetizadora, mas acredito que todo educador e educadora comprometidos com a educação como prática libertadora, alfabetizam também seus educandos. Estou me referindo à alfabetização no sentido freireano, como leitura do mundo que antecede a leitura da palavra, das relações entre o texto e o contexto.
Todo educador e educadora comprometidos com a educação como prática libertadora, alfabetizam também seus educandos. É com este fio condutor que venho realizando uma experiência em educação popular numa ONG, SEOP ? Serviço de Educação e Organização Popular -, com trabalhos em Petrópolis e na Baixada Fluminense, no estado do Rio de Janeiro, Brasil. Os locais escolhidos para iniciar o trabalho eram sempre aqueles onde o Poder Público não chegava: áreas de ocupação, sem água, sem luz, sem saneamento básico, sem a mínima condição de dignidade humana. Era assim na Vila Leopoldina, em Pedro do Rio, distrito de Petrópolis, em 1997, quando escrevi: Lá, um dia passou um trem, por isto, Leopoldina. Mas, o nome conhecido mesmo, sempre foi BNH de Pedro do Rio. Por que? Ninguém sabe explicar. Lá passa o rio Piabanha, caudaloso, bonito, mas tão poluído que chega a ficar colorido... E as pessoas? Teresa do Veloso como moradia teve uma caixa d?água. Teresona ? a avó criança, um dia mostrei sua foto com o neto ? seu retrato visto pela primeira vez! O neto tão parecido, tão bonito, tão querido! No sorriso misto de criança e velha as lágrimas rolaram na admiração. Com uma ventania e forte temporal, das quatro paredes da casa ficaram duas e a porta, abrindo para o vazio. (in: ?Poema Pedagógico, Ensaios de Pedagogia do Excluído?)
Dois anos depois, durante as comemorações da Semana da Criança, vi anunciado ?Pedro e O Lobo? no Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Não tive dúvida, era a grande oportunidade das crianças ampliarem suas leituras, mudarem o texto do contexto. Sim, porque o trabalho que se iniciara com mães e crianças todas juntas, já estava organizado por idade (de 2 a 6 anos com mães eleitas como recreadoras e merendeiras) e, a partir dos 6 anos, para os que freqüentavam a escola, inventei uma atividade de apoio escolar com Literatura Infantil e Juvenil, Música e Teatro. Viajávamos no Tapete Mágico, lendo Sílvia Orthof, Bartolomeu Campos Queirós, Ana Maria Machado, e tantos e tantos outros; ouvíamos e cantávamos muita música do nosso folclore, da MPB e música erudita brasileira também; brincávamos de teatro com as histórias e músicas brasileiras da Escolinha de Teatro do Ilo Krugli. Da mesma forma como conheciam, dançavam e cantavam pagode, forró, rap e imitavam tudo que aparecia nas novelas da Globo, pois já eram iniciados num outro repertório através destas linguagens. Os excluídos de Pedro do Rio, assistindo ?Pedro e o Lobo?, de Prokofiev, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, foi um sucesso e uma emoção que guardamos até hoje ? eles e eu. Todos queriam saber quem eram aqueles 12 adolescentes (porque tivemos que optar em levar apenas os mais velhos) que percorreram o teatro todo, pediram o programa, queriam saber tudo, e assistiram ao espetáculo, com a maior atenção. Tiveram direito até a fotos com os atores (que conheciam muito bem, pois todos eram ?globais?). Mas, o mais importante era se sentirem com direito a um espaço e a bens culturais que sempre foram privilégio de poucos.
|