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Não há ?retoma? que nos valha!

Eu não sei quais foram os desejos formulados pelos responsáveis do Ministério da Educação ao bater das 12 badaladas que marcaram a entrada no novo ano, mas não vejo razões para grande optimismo.

A ?passagem de ano? é um tempo propício a balanços e projectos. Despedimo-nos do ano que termina com promessas de não repetir os erros do passado e agarramo-nos aos prenúncios mais favoráveis para evitar qualquer dose excessiva de cepticismo quanto ao futuro. Eu não sei quais foram os desejos formulados pelos responsáveis do Ministério da Educação ao bater das 12 badaladas que marcaram a entrada no novo ano, mas não vejo razões para grande optimismo. Qualquer desejo, por mais simples que seja,  de melhoria da situação actual na educação, arrisca-se a não passar de um devaneio, ou de um pesadelo.
O balanço de 2003 é manifestamente negativo. Muitos são os exemplos que podem ser dados, mas limitar-me-ei a três domínios:
- A educação, como o país, continua à espera da ?retoma?. Não tanto da ?retoma económica? mas da retoma dos valores da cidadania, da democracia plena, da igualdade de oportunidades, da integração dos excluídos, da justiça social, da defesa e promoção do bem público. Estes valores parecem estar em suspenso e as políticas que os deviam concretizar não se vislumbram no horizonte. Em contrapartida, assistimos ao anúncio de medidas que vão no sentido de agravar a exclusão, de reforçar a selecção social, de combater a inovação e de ameaçar os fundamentos da escola  pública.
- O próprio funcionamento regular dos estabelecimentos de ensino encontra-se ameaçado e constitui motivo de séria apreensão.  Não são só  os cortes orçamentais (que afectam mesmo algumas das ?bandeiras? do actual governo, como o caso da internet nas escolas), que estão em causa. É o próprio funcionamento do sistema que se tem  vindo a desacreditar face a erros e omissões que se acumulam desde a colocação de professores à avaliação das escolas, da ausência de alternativas (políticas e institucionais) à extinção do Instituto de Inovação e do INAFOP, do abandono a que foram votadas a formação dos professores, a descentralização administrativa e a autonomia das escolas, dos maiores atropelos às regras de bom senso na radicalização dos ?agrupamentos verticais? de escolas.
- Finalmente, temos vindo a assistir a um reforço significativo das tendências mais conservadoras de centralismo político e administrativo no domínio da educação. O que não deixa de ser paradoxal  para um governo que baseou o seu discurso eleitoral, entre outras coisas, nas promessas de descentralização e  modernização da administração educativa. Basta olhar, por exemplo, para a lei orgânica do ministério da educação, para a constituição dos conselhos municipais da educação, para o anunciado regime de colocação de professores, para vermos como a administração central não abre mão dos seus poderes e prerrogativas, recuando mesmo em relação a algumas tentativas tímidas de descentralização ensaiadas pelo anterior governo. E se conjugarmos estes diplomas com a ausência de medidas concretas no que se refere aos contratos de autonomia das escolas, à transferência de competências para as autarquias, à reorganização das direcções regionais, à reforma da administração dos serviços centrais, etc., vemos bem qual a orientação dominante no ministério  e o que ela promete.
Por tudo isto, é difícil desejar votos de um bom ano de 2004 para a educação.  Não há ?retoma? que nos valha se tivermos que continuar a ?tomar? estas políticas.


  
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Edição:

N.º 131
Ano 13, Fevereiro 2004

Autoria:

João Barroso
Fac. de Psicologia e Ciências da Educação da Univ. de Lisboa
João Barroso
Fac. de Psicologia e Ciências da Educação da Univ. de Lisboa

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