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A Animação Sociocultural no centro do desenvolvimento pessoal e comunitário

Há muitas coisas que não gosto neste país. Não gosto da democracia domesticada, da cultura do silêncio, das desigualdades socio-económicas e das exclusões socioculturais. Dói-me que esta aldeia pequena ande à deriva. De forma autista e prepotente, os poderes instalados vão fomentando o corte de laços sociais e de confiança daqueles que lutam por uma globalização solidária e sustentável.

Sabemos que o pensamento único e a globalização hegemónica escondem linguagens e poderes que dificultam a reconstrução de quadros de referência educativos, sociais, culturais e éticos, promotores dos direitos humanos, substantivos para todos. A retórica dos discursos vai dizendo que é imperioso defender a qualidade de vida e o bem estar e que a educação e a cultura, como processos de desenvolvimento, são para todos. Porém, as imposturas da sociedade de consumo, ao sacralizar o homo economicus em detrimento do homo socius, estão a por em grave crise a democracia.  Em nome da emancipação e da cidadania, assistimos à normalização, ao relativismo acrítico e ao pessimismo niilista, impedindo os homens e as mulheres de uma cultura dialógica e de acção contra as desigualdades e as opressões que atravessam o nosso quotidiano.
Face a este cenário, não podemos ficar indiferentes. É urgente requalificar a democracia. Os movimentos civis devem desempenhar um papel activo. A cidadania reflexiva e crítica não se pode reduzir apenas às dimensões política e administrativa, mas deve criar oportunidades de acção e (re)integração social. É pela partilha de valores e poderes/saberes que a democracia se pode transformar num modo de vida.
Em nossa opinião, esta arte de viver deve emergir das comunidades de base. É no viver quotidiano na família, na escola, no trabalho, na paróquia, na associação, etc., que as relações se tornam significativas e se constrói a consciência colectiva. É pensando o agir local e agindo o pensar global que poderemos recuperar a identidade comunitária.
É imperioso superar as rotinas através de processos energéticos, envolvendo as diferentes gerações, divulgando experiências e revalorizando as culturas de todos os grupos sociais. Por outras palavras: o aprofundamento da democracia exige dos agentes e actores sociais uma abordagem centrada na Animação Sociocultural. A Animação necessita da democracia como a democracia necessita da Animação.
Pela nossa parte, assumimos a Animação Sociocultural como uma estratégia política, educativa e cultural de emancipação individual e colectiva, assente num conjunto de práticas de Investigação Social, Participação e Acção Comprometida. Um processo fundamentalmente centrado na promoção da participação consciente e crítica de pessoas e grupos na vida sócio-política e cultural em que estão inseridos, criando espaços para a comunicação interpessoal.
Estas reflexões ajudam-nos a entender a Animação Sociocultural como uma estratégia que encontra no vivido e no agido da comunidade os elementos necessários para iniciar o diálogo e o encontro de valores comuns que permitam alcançar as finalidades de cada um, e principalmente, as do colectivo.
Defendemos, portanto, uma prática aberta à participação individual e social, que implica activamente o sujeito como criador de cultura e não um mero objecto de acção cultural. Assim, a Animação Sociocultural assume-se numa perspectiva praxeológica, transformando a passividade, a resignação e o fatalismo do viver humano em participação, autonomia e emancipação. A animação é, pois, entendida como uma estratégia para o desenvolvimento pessoal e comunitário.
Neste mundo complexo não existe uma animação, mas, face à diversidade humana e às diferentes vivências e realizações pessoais e comunitárias, os múltiplos âmbitos da animação (intercultural, ambiental, da leitura, do ócio e do tempo livre, sanitária e hospitalar, Rural, Urbana, sociolaboral e de empresas ? de grupos?infantil, juvenil, de marginalizados, de adultos, de deficientes?), vão fazendo caminho. Efectivamente, é a partir da realidade em que estamos inseridos que devemos desvelar as verdades e construir projectos de animação. A vida é tomar partido nos projectos em que acreditamos. É animar e animar-se, partilhando poderes/saberes e valores que criem um novo estilo de cidadania activa.
Decorrente da mundividência destes âmbitos, não podemos olhar para a árvore, esquecendo a floresta, isto é, a Animação para ser Sociocultural deverá incorporar as suas dimensões intrínsecas ? educativa, social, cultural e política ? num projecto mais amplo de desenvolvimento social.
Na prática, as metas sociais e globais (universalizar a escolaridade básica e aumentar a taxa de alfabetização feminina, facilitar o acesso aos códigos culturais da modernidade necessários para a integração na sociedade produtiva e para participar na vida pública, etc.) denunciam a complexidade das relações humanas e a diversidade das necessidades educativas da sociedade, o que vem exigindo enquadrar a Animação Sociocultural numa ordem conceptual mais ampla.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 130
Ano 13, Janeiro 2004

Autoria:

Américo Nunes Peres
Univ. de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD) - Pólo de Chaves, Vila Real
Américo Nunes Peres
Univ. de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD) - Pólo de Chaves, Vila Real

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