Eu que gosto de comprar livros e que faço questão de acompanhar e conhecer as novidades editoriais na área da minha actividade profissional, olho para as boas aquisições que fiz neste ano que agora vai terminando e chego à conclusão que, em termos de contribuições de autores portugueses, a publicação científica no campo da Educação foi, entre nós, com algumas raras excepções, particularmente escassa e pobre, sobretudo se tivermos em conta a produção mais estritamente académica ou a que é suportada por alguma investigação sobre as realidades educacionais e os seus principais actores. Com orientações predominantemente prescritivas, vieram, todavia, a lume e continuaram a proliferar muitos livros (alguns oportunos e muitos outros oportunistas) essencialmente voltados para a tradução e recontextualização pedagógicas de diferentes medidas curriculares e de alguns outros normativos legais recentes. Esses livros, destinados a um mercado em aparente expansão e induzidos por uma eficaz estratégia de marketing, parecem, frequentemente, dispensar os seus autores do tempo necessário de pesquisa e de exercício da capacidade reflexiva, surgindo como produtos quase-instantâneos, escritos por especialistas de tudo, que, em muitos casos, repetem as autorias por temáticas várias e relativamente sincrónicas, invariavelmente, conseguindo aproveitar diligentemente, e com o natural apoio das suas editoras, a acentuada e imparável desprofissionalização dos professores portugueses. Se, por exemplo, considerarmos o abaixamento dos níveis de exigência de alguns cursos do ensino superior (público e privado) e a desvalorização a que, muitas vezes, também alguns académicos conhecidos votam os cânones, ritmos e comportamentos que são distintivos de padrões de investigação consolidados e reconhecidos (nas dimensões teórico-conceptual, metodológica, ética e formal), não deixo de pensar, ainda que por um breve instante, que o afastamento conjuntural de algum protagonismo anterior das Ciências da Educação pode muito bem estar (também) relacionado com tudo o que aqui sucintamente refiro. Trata-se, no fundo, de constatar que certos padrões de produção científica e pedagógica e de intervenção social e política de autores que são referenciados ou se referenciam a certas áreas de conhecimento, como a Educação, não apenas têm vindo a ser neutralizados na sua visibilidade social por força da ideologia neoconservadora e neoliberal dominante como, de algum modo, têm também perdido algum vigor endógeno, atribuível, entre outras razões, às próprias estratégias adoptadas e à incapacidade de legitimação colectiva ? consertaste-se esta situação com o que aconteceu na década de meados dos anos oitenta a meados dos anos noventa onde as Ciências da Educação tiveram genericamente um papel (talvez até demasiado) central no próprio condicionamento da agenda da política educativa. Não me parece possível construir uma comunidade interpretativa quando as próprias instâncias colegiais estão em crise (como acontece com a própria Sociedade Portuguesa de Ciências da Educação), quando parece desenvolver-se uma oferta, quase mercantil, de trabalhos (ditos científicos) à medida das necessidades do momento, quando aparecem, com alguma frequência, plágios mais ou menos deliberados nos mais variados registos, quando censuras dissimuladas silenciam ou condenam ao ostracismo trabalhos publicados e sobejamente (re)conhecidos, quando as incapacidades de confronto crítico e de aprofundamento de ideias não encontram espaço no pragmatismo de alguns textos, quando são demasiado evidentes algumas incoerências gritantes entre os temas de investigação e os comportamentos quotidianos, quando se assumem falsos protagonismos em termos de objectos de investigação por interposição de hierarquias formais ou pela sofisticação das estratégias de manutenção de monopólios vários. Estou consciente de que este não é, felizmente, o panorama exacto das Ciências da Educação em Portugal. Se não estivesse demasiado melancólico, confesso, poderia facilmente escolher outros indicadores diferentes e, talvez mais expressivos, da vitalidade (na adversidade) desta comunidade de referência e de pertença. Mas a coexistência nesta comunidade, como, aliás, em outras, de grandes contrastes, ambiguidades e tensões, apenas indica que, no final de mais um ano, é certamente oportuno incluir esta questão nos nossos balanços de investigação, de docência e de vida, ajudando a eliminar os fragmentos de subdesenvolvimento que emergem ou persistem anacronicamente.
|