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A europeização das políticas educativas: a nova arquitectura e o novo elenco no campo da educação

Está em curso, desde há cerca de três décadas, o desenvolvimento de dois processos interligados quanto ao modo como a educação tem sido considerada no contexto da Comunidade/União Europeia. Por um lado, assistimos à institucionalização e consolidação da educação como área de cooperação e acção e, posteriormente, de intervenção política comunitária; por outro lado, emerge e intensifica-se a construção de entendimentos, orientações e normas de acção comuns para as políticas educativas nacionais dos Estados-membros.

A emergência de múltiplas relações funcionais e de (inter)dependência crescentes entre a elaboração das políticas nacionais e comunitárias e as prioridades e instituições comunitárias evidencia os contornos de um processo crescentemente vincado de europeização da educação no contexto comunitário. Do mesmo modo assistimos, no contexto de instituições comunitárias, à construção e explicitação de um conjunto de entendimentos comuns aos, e orientações para os, Estados-membros tendentes a estabelecer um referencial global europeu traduzido por normas de acção comuns que vão influenciar os processos de produção de políticas nacionais e comunitárias (1)
Os últimos anos da década de noventa verificaram os primeiros, e em alguns casos decisivos, passos do que podemos considerar uma nova fase do processo de europeização das políticas educativas e de formação, agora sob o lema de uma cooperação reforçada. Evocaremos, neste momento, o desenvolvimento de três processos que parecem sinalizar a emergência de um novo momento deste percurso: o processo de Bolonha (1999), o processo de Bruges/Copenhaga (2001); o Programa de objectivos comuns para 2010 (1999/2000); deter-nos-emos brevemente apenas em dois destes processos. Qualquer deles apresenta traços similares e singularidades que justificam considerá-los como definindo direcções comuns prosseguidas através de vias particulares. O projecto para que se aponta configura uma nova entidade a construir/em construção que integra, mas não se confunde com, os sistemas educativos e de formação e que aparece codificada sob a designação de espaço europeu (do conhecimento, de ensino superior, de educação e formação, de aprendizagem ao longo da vida, de investigação e inovação...). É a edificação desta nova entidade, cujos contornos político-institucionais e culturais constituem ainda uma nebulosa, que aparece como horizonte de referência das iniciativas, propostas ou declarações políticas.

O Programa de objectivos comuns para 2010

Se a intervenção política comunitária no campo da educação teve lugar explicitamente desde os anos oitenta através dos Programas de Acção, se uma política comunitária naquele domínio adquiriu contornos progressivamente mais nítidos ao longo da década de noventa, deparamo-nos agora com um novo desenvolvimento: trata-se da definição do nível supranacional como locus de inscrição formal e explícita das políticas a desenvolver para os sistemas educativos e de formação em que a execução da política é objecto de controlo realizado pelas instâncias que a definem, o Conselho «Educação», a Comissão Europeia, o Conselho Europeu, e baseado em parâmetros e indicadores previamente definidos, regularmente aferidos e publicamente divulgados. No momento em que escrevemos (Dezembro de 2003), um documento de trabalho elaborado pela Comissão faz um balanço intercalar deste Programa que assume um tom insatisfeito e crítico, sublinhando a necessidade de esforços e mudanças mais efectivos, por parte dos Estados-membros, em direcção às metas definidas para 2010. Dir-se-ia que as fases anteriores terão representado a gestação do processo de europeização que, agora, ensaia a maturidade

O Processo de Bolonha

Estamos, também neste caso, perante um novo processo político, inovador em termos de método e de objecto; testemunhamos a congregação da vontade política de um amplo leque de Estados europeus (hoje cerca de quatro dezenas) que procuram edificar uma plataforma supranacional no seio da qual elegem solene e publicamente um programa político comum e declaram a sua determinação em promover mudanças convergentes com tal programa. O processo consiste em identificar o que se supõe constituir os nós vitais de actuação que permitirão assentar as alavancas que desencadearão as transformações desejadas; assim, a definição dos sistemas de graus, de créditos e de garantia da qualidade, por um lado, e a intensificação da mobilidade e de programas de estudos integrados, por outro, tendem a apresentar-se como mudanças sem significativo potencial de conflito, transversais aos sistemas nacionais e aparentemente distantes daquela que é a agenda mais controversa e problemática que tem lugar no nível interno dos Estados envolvidos.
As declarações e as propostas dirigem-se, em primeiro lugar, à designada construção do espaço europeu do ensino superior ? evocado em associação com os termos de atractividade, competitividade, mobilidade, compatibilidade, comparabilidade, garantia de qualidade que convergem para desenhar os contornos de uma realidade sobretudo económica muito mais que cultural ? e nessa medida remetem para mudanças, problemas e preocupações relacionadas com a construção de uma entidade de âmbito europeu e para o confronto com as pressões e constrangimentos, também eles descritos com uma forte tonalidade económica, que resultam do posicionamento desta região no contexto mundial. No entanto, as mudanças perseguidas não deixam de estar relacionadas e de ter consequências quanto aos problemas, também eles prementes, dos diversos Estados nacionais face aos seus sistemas de ensino superior, nomeadamente no que toca ao financiamento. Pelo que o espaço europeu de ensino superior poderá vir a afastar-se significativamente daquele que parece ser o projecto até ao momento mais ventilado ou constituir-se como um processo sumamente agressivo para as realidades nacionais dos Estados envolvidos.
Os sistemas políticos estão em profunda mutação e a configuração do campo educativo e das políticas que nele se inscrevem são também intensamente marcados por movimentos cujos contornos e alcance se apresentam impregnados de indefinição e incerteza. Na União Europeia/Europa testemunhamos e fazemos parte do que está a mudar a educação: quais são as coordenadas e os actores que contribuem para imprimir força e direcção à realidade que se move? O campo de acção transbordou o horizonte que sabíamos perceber quando a educação era essencialmente nacional; hoje a linha do horizonte fundiu-se numa vertigem em que o continente ou o planeta são a realidade absoluta das nossas vidas e ainda metáforas para o desejo de exclusão que alimenta projectos que vemos já esboçar-se. Estes novos espaços, em que a educação e as políticas que a fazem se inscrevem, são construídos e habitados por protagonistas que podem ser nomeados e historiados; são ocupados por presenças omnipresentes e ausências omniausentes. Precisamos investigar e integrar a nova arquitectura e a nova composição do elenco que actua no campo da educação.

NOTA:

(1) A análise que identifica o processo de europeização e de constituição de um referencial global europeu para as políticas (educativas) públicas é inspirada nos trabalhos de Svein S Andersen. & Kjell A.. Eliassen. (orgs.) (1993). Making Policy in Europe: the Europeification of National Policy-making. Londres: Sage e de Yves Mény; Pierre Muller & Jean-Louis Quermonne (1995) (dirs.). Politiques Publiques en Europe. Paris: L?Harmattan, respectivamente.


  
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Edição:

N.º 130
Ano 13, Janeiro 2004

Autoria:

Fátima Antunes
Univ. do Minho
Fátima Antunes
Univ. do Minho

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