Página  >  Edições  >  N.º 129  >  Contrasensos da política educativa do PSD/PP

Contrasensos da política educativa do PSD/PP

SÃO MUITOS OS CONTRASENSOS E OS SILÊNCIOS NO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. A SOCIEDADE DO CONHECIMENTO QUE A EUROPA ASSUMIU COMO OBJECTIVO ESTRATÉGICO NÃO ENCONTRA ECO NO ACTUAL GOVERNO. A PRIORIDADE ORÇAMENTAL À EDUCAÇÃO É A CONDIÇÃO PARA QUE SE PASSE DAS PALAVRAS AOS ACTOS.

São muitos os contrasensos e os silêncios no Ministério da Educação.
Num momento em que se vão debatendo os projectos de Lei de Bases da Educação, assinalarei alguns destes contrasensos.
Primeiro contrasenso: o desinvestimento em educação, traduzido no orçamento para 2004 que decresce mais de 4% nas despesas de funcionamento e mais de 20% nos investimentos. Tudo em nome da diminuição do número de alunos nos primeiros anos de escolaridade. Mas não estamos de acordo que a qualificação dos portugueses tem que crescer e tem que alcançar padrões de qualidade superiores aos actuais? Não há ainda bolsas de abandono escolar que importa resolver? Não queremos aumentar o número de jovens que completa o ensino secundário? Não é necessário investir mais na qualificação dos adultos? Então??? A sociedade do conhecimento que a Europa assumiu como objectivo estratégico não encontra eco no actual governo. A prioridade orçamental à educação é a condição para que se passe das palavras aos actos.
Desinvestir na qualificação das pessoas, causa das nossas maiores dificuldades sociais, económicas e culturais, que CONTRASENSO...
Segundo contrasenso: dizem os actuais responsáveis, confortando com discursos politicamente correctos os conservadores da educação, que se têm feito demasiadas experiências...
Ora o governo suspendeu a revisão curricular do ensino secundário aprovada pelo PS em 2001 (DL 7/2001) ; a seguir, aprovou  um ?remake? empobrecido para os 10º, 11º e 12º anos que entrará em vigor em 2004/2005. Agora, propondo na Lei de Bases da Educação um ?novo ensino secundário? de 6 anos (três do actual terceiro ciclo mais três do actual ensino secundário), anuncia que procederá a uma ?reforma do novo ensino secundário? (declarações do ministro da educação na comissão de educação, ciência, cultura, juventude e desporto, durante a discussão do orçamento de estado para 2004).
Considero que as rupturas e descontinuidades brutais que actualmente vivemos na vida das escolas criam dificuldades acrescidas à construção da qualidade educativa, processo que exige condições e responsabilidades concertadas e não políticas dispersas  e erráticas.
Terceiro contrasenso:  o  alargamento formal da escolaridade obrigatória para 12 anos, proposto na Lei de Bases do governo, para tentar pôr o nome de David Justino na história.
Mais educação para mais jovens, estamos de acordo. Mas todos sabemos que a consolidação dos nove anos de escolaridade obrigatória ainda hoje se confronta com duas dificuldades: a do abandono escolar de jovens cujas famílias, por razões várias, muitas vezes de sobrevivência imediata, não dão prioridade à escola e outra dificuldade, por vezes coincidente, a do insucesso provocado por uma escola que confunde igualdade com uniformidade e que cria, no seu funcionamento pedagógico, a exclusão dos seus alunos mais afastados da cultura letrada. Ora decretar a obrigatoriedade escolar no papel, é fácil. Criar as condições positivas para a sua efectividade é bem mais difícil. Por isso, é estranho que não se efective hoje um mecanismo negociado com os parceiros no Conselho Económico e Social e que previa que todos os jovens trabalhadores teriam, até aos 18 anos, uma parte do seu tempo consagrada à educação e formação.
Ignorar a realidade e fazer de conta nada de bom trará ao país. Porque não se criam condições para que todos os jovens prossigam vias de educação e de formação profissional até aos 18 anos ou até aos 21 anos? Que contrasenso continuar a acreditar que a realidade muda por decreto...
Quarto contrasenso: a avaliação das escolas.  Fazendo da avaliação o mote da sua campanha pelo rigor formal, o actual governo suspendeu o trabalho de avaliação integrada realizado pela Inspecção Geral de Educação (e nunca é bom interromper um processo sem o avaliar...).
Desinteressou-se dos projectos de apoio à auto-avaliação das escolas, destruindo o Instituto  de Inovação Educacional.
Fez aprovar pela sua maioria, na Assembleia da República, com grande alarde, uma Lei de avaliação das escolas. E o que acontece hoje em dia? Uns ?rankings? mal feitos  e envergonhados distorcendo a leitura dos efeitos do trabalho das escolas com base nos resultados dos exames do 12º ano e... mais nada. Nem autonomia das escolas nem definição de metas e de responsabilidades.
Um ruidoso silêncio...
Entre contrasensos e silêncios, declarações que confortam o senso comum e ausência de estratégia, a política educativa marca o retrocesso do investimento em educação. E isso é muito grave.
Vivemos tempos difíceis mas sê-lo-ão ainda mais se o futuro da educação for assim desenhado entre palavras ocas e políticas inconsequentes.


  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Edição:

N.º 129
Ano 12, Dezembro 2003

Autoria:

Ana Benavente
Deputada do Partido Socialista. Professora.
Ana Benavente
Deputada do Partido Socialista. Professora.

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo