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Onde estão os filósofos?

ONDE SE ESCONDEM OS REPOSITÓRIOS DE NOVAS IDEIAS, OS CANTORES DE DISPARATES, OS MERGULHADORES DE ABISMOS? OLHO À VOLTA E VEJO NOVAMENTE COPISTAS. O SÉCULO É DOS COPISTAS!

As últimas imaginações e devaneios morreram há mais de 50 anos, precisamente no momento em que saltámos mais alto. Até agora ainda não parámos de subir, e no entanto não me sinto mais a caminhar na direcção certa com a mesma certeza e rigor de razão com que os mestres de ?há pouco tempo?. (?) Onde estão os espíritos livres que Nietzsche profetizou? Olho em volta e vejo ?democratas?, crianças assustadas com o seu próprio ser, agrilhoadas a uma razão doentia, de uma forma tão obscura que nem elas próprias entendem a razão porque ainda continuam vivas e toleradas por uma sociedade que aceitou o sofrimento por todas as razões erradas.
A mesquinhez e obtusidade que a Igreja prega continuam a exercer a sua pressão e desta vez não por obra e engenho do padre, mas pela própria decisão do homem! ?Deus morreu!?, pensa em segredo o cidadão urbano e civilizado. E depois corre a sacrificar-se em seu nome, por não ter coragem de libertar no seu corpo o verdadeiro poder do seu ser. A Igreja não precisa mais de pregar, pois mesmo sem deus a sua vitória sobre os fortes está praticamente assegurada. O seu maior inimigo, a ciência, encarregou-se ela própria do trabalho sujo, passando almofadas e panos quentes aos espíritos ardentes e cegando com ?promessas cumpridas? os sofredores.
As lutas de hoje seguem atrás do que já foi feito, quebram novas barreiras mas olham para elas e já não sabem porquê. A consciência do grupo, da máquina, do engenho social, é cada vez mais eficiente e colossal, mas o indivíduo deixou de ter perspectiva dela como um todo. Todos hoje somos os nossos próprios filósofos. A ?cultura?, pela qual batalhamos a vida toda, dá-nos uma potência de palavreado que impede a ?vergonha?, a ?humilhação?, o denegrir da alma, impede-nos a nós próprios de exprimirmos aquilo que defendemos, sacrificando o crescimento interior por um imperativo de ?eu quero ser eu a todo o custo?. E o misticismo, a essencial barreira à expressão ?pura?, à ?coisa em si?, é hoje construído sem que se entenda o que ela própria significa, sem que nós próprios nos apercebamos daquilo que vomitamos para moldar a nossa cidadela, sem que tenhamos o bom gosto de pelo menos avaliar a arquitectura e as origens, ainda que não tivéssemos a coragem de investigar as razões.
E eu digo, basta! Basta de torcer as palavras para as regras antigas, de perder as verdades para a satisfação de ?poetas? mortos há muito, que tinham o seu próprio «tempo», a sua expressão muito própria, as suas razões de darem vazão à sua potência desta ou daquela forma. Que razão há para um filósofo do nosso século expressar as suas teorias e ideias sobre a vida seguindo o modelo do discurso de Platão ou de Kant? Nós somos as nossas visões, e o que se quer são as nossas visões. Querem-se respostas, não o tornear de velhas perguntas, mas se as perguntas têm de ser feitas, que sejam feitas às claras, à bela vista de todos, e não floreadas de medo dos ?precursores?. Deixemos que o que dizemos seja como que uma história para crianças, para que até as crianças possam ser enriquecidas pelo que dizemos. Deixemos de cair em monólogos intermináveis com nós próprios, esse erro do filósofo de acreditar que o seu único ?amor? é para com a sua ?filosofia?. Se assim fosse deixava-se estar quieto a murmurar para si mesmo nas suas deambulações de vida, não sentia necessidade de bradar aos quatro ventos um qualquer pensamento que lhe atormenta a existência. Tenhamos a coragem de afirmar que temos qualquer coisa a dizer ao mundo, ao nosso mundo, e não ao mundo dos mortos, e que essa coisa que temos a dizer seja da mais elevada importância, de uma importância tão elevada que necessidade alguma a há-de fechar a sete chaves em parágrafos de obscurantismo tão negro que nem nós próprios nos conseguimos vislumbrar no seu interior.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 129
Ano 12, Dezembro 2003

Autoria:

Gonçalo Lopes
Estudante na Fac. de Ciências e Tecnologia da Univ. Nova de Lisboa
Gonçalo Lopes
Estudante na Fac. de Ciências e Tecnologia da Univ. Nova de Lisboa

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