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A praxe académica : um rito de passagem

DEPOIS DE REALIZADAS AS CERIMÓNIAS QUE ASSINALAM O FIM DO ESTATUTO ANTERIOR, O INDIVÍDUO FICA DURANTE UM PERÍODO NUMA SITUAÇÃO DE PERIGO (?) QUE SÓ TERMINARÁ COM A SUA ENTRADA NO NOVO ESTATUTO.

A praxe académica é um rito de passagem.
Como todos os rituais que assinalam a transição de um indivíduo de uma categoria ou estatuto para outro, também o ritual da praxe marca a transição do jovem da condição de estudante do secundário para a de universitário. Por isso, estes rituais, à semelhança dos outros, quer se trate de um jovem numa sociedade tribal, quer dos rituais que assinalam a entrada no sacerdócio, são marcados por práticas que remetem para o simbolismo da morte e do nascimento: a morte do indivíduo numa categoria, para renascer noutra. É desta forma que devemos entender as práticas mais violentas descritas pelos antropólogos, que incluem a excisão, a circuncisão, o arrancar de dentes, a escarificação, e outras menos violentas como as tatuagens ou o corte do cabelo.
Depois de realizadas as cerimónias que assinalam o fim do estatuto anterior, o indivíduo fica durante um período numa situação de perigo, numa situação, segundo Van Gennep ( Ritos de Passagem), que só terminará com a sua entrada no novo estatuto. Esse perigo resulta do facto do indivíduo, durante o tempo que ocorre entre a morte de um estatuto e o ingresso no outro, não pertencer a qualquer categoria social. O que de certa forma representa um perigo, porque a sua vulnerabilidade se transmite ao grupo. Os estudantes assinalam esta fase dando aos colegas recém chegados, que estão nesta fase, a designação de «bestas». Nalgumas escolas fazem-se mesmo «leilões de bestas» e obrigam os estudantes a assumir a condição de animais. Estas práticas  colocam-nos fora do mundo da cultura, remetendo-os para o mundo da natureza.
A assumpção do novo estatuto ocorre nas cerimónias de recepção ao caloiro que acontecem em Novembro. Nesta altura, no autêntico Carnaval que é  o cortejo organizado pelos estudantes, com todos os ingredientes dos rituais do caos ? onde não faltam os excessos que habitualmente acompanham estes rituais: os jantares, as festas e muito álcool ? é o momento propício para integrar os novos membros que retomam a sua categoria de humanos ou seres culturais, abandonando a designação de bestas.
É preciso recriar o caos primordial para que o mundo nasça renovado. É neste ambiente de recriação do mundo, de início de um novo ciclo, que os novos membros desta  sociedade, que é a academia, são finalmente socializados como membros por inteiro. O uso de objectos que remetem para a infância por parte destes novos membros tem a ver justamente com esta condição. 
 O debate que hoje se trava em torno dos casos de violência das praxes deve ter em conta a importância deste ritual académico na sua dimensão antropológica.
Por outro lado, é preciso conciliar a praxe com os direito de cada um.


  
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Edição:

N.º 129
Ano 12, Dezembro 2003

Autoria:

José Trindade
ESE Leiria
José Trindade
ESE Leiria

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