FRASES COMO «A SOCIEDADE AFLUENTE», OU AS MAIS RECENTES «SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO» E «ECONOMIA DO CONHECIMENTO», SAEM-NOS DA BOCA MUITO FACILMENTE.
Todas as eras possuem um conjunto de palavras para dar conta do estado das coisas que se anunciam a si próprias com tal certeza e clareza que acabamos por ser avassalados ? como crentes imediatos - por elas. Frases como ?a sociedade afluente?, ou as mais recentes ?sociedade de informação? e ?economia do conhecimento?, saem-nos da boca muito facilmente. Como actores principais no circuito das conferências elas oferecem um diagnóstico para ?hoje? quando outras se revelam menos capazes de o fazer. Contudo, temos que ser cautelosos em relação a este tipo de encantamentos, pois a bala de prata saída dessa extraordinária certeza provavelmente velará mais do que aquilo que revela. Veja-se, por exemplo, a sociedade do conhecimento e o seu ?outro? - a economia do conhecimento. Autores como Daniel Bell, e outros importantes intelectuais como Manuel Castells em «A Sociedade em Rede», dizem que estamos a viver numa sociedade em que o conhecimento se tornou no novo motor da economia. Políticos de todos os quadrantes, por todo o mundo, dizem-nos não só que o globo está a ser varrido pela mudança, mas também que o nosso mais valioso investimento para nos tornarmos numa economia competitiva é o conhecimento. Sim, dizemos nós, como bons fiéis em uníssono numa espécie de celebração religiosa. Sim, o trabalho do conhecimento ? o nosso trabalho ? é realmente importante. Seremos os novos Stakhnovitas; os heróis da nova economia global. Mas a que é que estamos a dizer sim? O que é que significa uma sociedade do conhecimento e em que é que é, se de facto é, diferente do mundo do herói-trabalhador do socialismo? Vejamos, em primeiro lugar, a posição de Bell. Bell, efectivamente, é o autor do agora famoso livro publicado em 1973, «The Coming of the Postindustrial Society»: a «venture in social forecasting». Lida tendo como pano de fundo a crise do petróleo e a escalada do desemprego, a pergunta de Bell era a seguinte: ?Que forma assumirá a sociedade no futuro?? A resposta de Bell a esta pergunta está escrita em grandes letras num mural. O «conhecimento ao poder»! OK! Poderíamos esperar que essa incursão na previsão social gerasse pelo menos um ponto de interrogação. Um OK? Nada! A previsão de Bell assume toda a certeza e a autoridade de uma verdade. Um viajante do tempo que agora regressasse para nos contar acerca do nosso destino, diria que o nosso mundo será crescentemente um mundo em que o que conta não é a força bruta ou energia, mas informação, e que as instituições que se tornarão as mais importantes serão aquelas que processam a informação, como as universidades. Mais de vinte anos depois, a previsão de Bell é retomada por Castells; não só estamos a viver um tempo caracterizado pela emergência da sociedade de informação onde os âmbitos definidos das práticas humanas são baseados na tecnologia de informação, organizados em redes de informação e centrados em torno do processamento de informação e dos símbolos, mas também que o ?informacionalismo? representa um novo modo de produção. Esta nova sociedade em rede é muito diferente da do herói socialista. Pelo contrário, esta nova sociedade em rede foi criada a partir da cooperação e apoiar-se-á nessas mesmas relações sociais. Saem de cena o capitalismo e o seu outro, o socialismo. Entra o informacionalismo. A utopia chegou. O conhecimento é o salvador. O conhecimento Vence! OK. Mas será mesmo assim? Há muitos problemas suscitados por esta asserção. A primeira é que é difícil de perceber como é que qualquer tipo de trabalho, manual ou outro, não requer conhecimento. O conhecimento é aquilo que significa ser humano. Stakhanov usava efectivamente o seu conhecimento de vários aspectos do trabalho das minas (usando os seus instrumentos, procurando os filões). Se o conhecimento sempre foi central no trabalho, então a posição de Castells acerca do novo tipo de economia e sociedade baseadas no conhecimento parece-me muito frágil. Não se trata de sugerir que as nossas economias são tal como sempre foram. Não há dúvidas de que um dos fenómenos associados àquilo a que chamamos globalização é que não só aquilo com que, e sobre que, trabalhamos, mas também como isso está a ser re/organizado e dividido, tem vindo a transformar-se dramaticamente em consequência das novas tecnologias. Os nossos cérebros tornaram-se crescentemente importantes para as empresas que procuram um perfil competitivo, não só porque os nossos cérebros anteriormente não importavam, mas porque a faixa está crescentemente mais alta. Talentos de estufa criando as condições para que a inovação floresça, garantido patentes e direitos de autor, codificando o conhecimento tácito, investindo nas tecnologias de ponta, são estratégias que estão a ser promovidas pelos ?estados competitivos?, que são, por seu turno, protegidos por um conjunto de acordos globais sobre a égide da OMC (por exemplo, o Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços, e sobre o Comércio Relacionado com os Direitos da Propriedade Intelectual). Em vez de uma mudança para além do capitalismo, talvez nos seja legítimo dizer que a bala de prata da sociedade do conhecimento visa colonizar e explorar uma última fronteira: o nosso cérebro.
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