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A propósito da Escola da Ponte...

DEPOIS DE LER O ARTIGO D?«A PÁGINA DA EDUCAÇÃO» NÃO PUDE FICAR INDIFERENTE AO QUE TEM VINDO A SER FEITO CONTRA O PROJECTO EDUCATIVO «FAZER A PONTE» DA ECOLA BÁSICA INTEGRADA DE VILA DAS AVES.

Sou uma professora do 1.º Ciclo e a primeira vez que ouvi falar desta escola foi através do jornal Juventude Operária do movimento JOC - Juventude Operária Católica. Mais tarde, no meu ano de estágio tive a oportunidade de realizar lá um estágio de 6 meses o qual foi para mim uma benção. Foi na Escola da Ponte que eu me formei, foi lá que eu aprendi alguma coisa do que é ser professora. Lá aprendi o que eu julgo ser a missão de um professor ? fazer crianças felizes. 
A partir da experiência da Ponte eu descobri uma escola que se constrói a partir do que cada um, crianças, pais e professores, é capaz de dar. Na Ponte todos são professores de todos.
A verdade é que neste momento em Portugal o que é pensado e ensinado aos futuros professores nas Universidades não é praticado em contexto escolar. Na Universidade disseram-me que a criança é o centro do processo pedagógico, que eu devia chegar aos interesses e necessidades de cada criança mas, na prática, ofereciam-me como exemplos de práticas pedagógicas inovadoras, projectos de sala de aula em que tudo era planificado pelo professor, projectos em que as crianças apenas faziam o que tinha sido pensado pelo mesmo.
Na Ponte eu aprendi que cada criança tem uma história de vida diferente, e que por isso tem necessidade de traçar um percurso escolar também diferente. Um percurso em que é a própria criança o protagonista, apesar de poder recorrer ao professor e aos colegas para o apoiarem. A sua caminhada na busca do saber é realizada tendo por base afectos e valores como a solidariedade, o respeito e a responsabilidade.
E aqui estamos a falar das maiores riquezas da Escola da Ponte. Nesta escola não há crianças transformadas em números, cada criança é chamada pelo seu nome, todas as datas de aniversário são lembradas, todas as crianças estão integradas num grupo onde têm a oportunidade de serem ajudadas nas suas maiores dificuldades e têm a oportunidade de se expressarem e de participarem na construção diária do projecto educativo.
A escola da Ponte é um espaço onde todos têm voz, onde as crianças crescem e, para além de aprenderem as diferentes áreas académicas, aprendem uma das ?coisas? que, neste momento, todos dizem que a escola não está a ser capaz de dar resposta ? a educação dos valores. Na Ponte os valores não são palavras apenas, são gestos, são vivências... A Ponte é uma escola não só até ao 9.º ano mas uma escola para a vida toda.
Na minha opinião era excelente que conseguíssemos olhar para este exemplo e estimular a criação de outros espaços como estes pois concerteza teríamos uma melhor escola pública em Portugal. 
Na minha humilde opinião só conseguiremos dar uma viravolta ao sistema educativo quando formos capazes de questionar o que hoje é tido como verdade absoluta. Não podemos ter uma escola pública que responda às necessidades da comunidade enquanto tivermos professores deslocados centenas de quilómetros das suas famílias, professores estes, muito pouco motivados para o trabalho que estão a desenvolver. Os professores não podem continuar a serem colocados por um ano numa escola indo no ano seguinte para outra pois isto impede a definição e a concretização de qualquer projecto educativo. Dirão ?Os professores não são donos das escolas nem do sistema?, concordo, mas a verdade é que são um parceiro muito importante no que se refere ao sistema educativo e portanto deveriam ser mais valorizados e ouvidos nestas questões.
Porque é que não se fomenta a criação de equipas de docentes que se responsabilizam pela definição e concretização de projectos educativos em diferentes escolas? A verdade é que em muitos casos a escola privada funciona porque há uma equipa de docentes constante e sólida que trabalha para o funcionamento de dado projecto estando, deste modo, motivada  para o trabalho que realiza.
Ouço tantas vezes dizer que os professores não são responsáveis, que trabalham pouco e ganham muito, o que muitas vezes não se sabe, são as dificuldades dos mesmos, incluindo o sentimento de desvalorização e de abandono.
Eu sinto que muitas vezes o sonho de ser professor passa a ser um pesadelo. E muitos professores logo nos primeiros anos de trabalho sentem-se desiludidos e tristes no seu dia-a-dia.
Sinto que professores e comunidade em geral têm um papel muito importante na mudança que é necessário operar. É primordial que projectos como a Ponte sejam defendidos porque são exemplo e estimulo para outros professores que não conseguindo fazer outras ?pontes? vão conseguindo pelo menos nas suas escolas desenvolvendo algumas iniciativas no sentido da educação responsável e solidária que se vive na Ponte.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 128
Ano 12, Novembro 2003

Autoria:

Maria das Neves Jesus
Professora do primeiro ciclo do ensino básico, São João de Ver
Maria das Neves Jesus
Professora do primeiro ciclo do ensino básico, São João de Ver

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