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Centros Rurales Agrupados: uma

Numa altura em que se anuncia o encerramento de algumas centenas de escolas do 1º ciclo com menos de dez alunos no interior do país, A PÁGINA entrevista Antonio Caride Gomez, professor catedrático de Pedagogia Social na Universidade de Santiago de Compostela e colaborador regular do jornal, sobre a experiência espanhola dos Centros Rurales Agrupados, em tudo equivalentes aos agrupamentos portugueses. Algumas pistas para o debate que se segue.


Que balanço faz da experiência dos «Centros Rurales» Agrupados (CRA) em Espanha e, particularmente, na Galiza?

Apesar de diferentes no seu rigor e profundidade, a maior parte das análises que se têm feito sobre este tema concordam que se trata de uma proposta inovadora no sentido de enfrentar e organizar os processos de escolarização no meio rural espanhol. Os CRA, cujo reconhecimento e legitimidade toma como referência um decreto promulgado pelo governo socialista no final de 1986, baseou-se numa experiência pedagógica precedente levada a cabo na comarca rural do Vale de Amblés, em Avila, na qual um grupo de encarregados de educação reivindicou e sugeriu novas formas de combater os problemas que atingiam a comunidade escolar - incluindo o próprio desaparecimento da escola como única referência cultural das suas comunidades - e de garantir uma educação obrigatória e gratuita.
A partir do seu trabalho surgiria uma nova forma de organização institucional educativa em zonas rurais deprimidas, com uma vocação alternativa e reformista, não apenas em aspectos ligados à planificação e gestão das escolas como também nas formas de conceber e desenvolver as práticas curriculares, o trabalho dos professores, a inserção no quotidiano das localidades, etc...
Olhando para trás, para além do afã ?compensatório? com que as administrações públicas, tanto a nível estatal como autonómico ou regional, projectaram os CRA, pelo menos no seu início, é indubitável que eles trouxeram uma perspectiva diferente da maneira com que tradicionalmente se abordava a escola e a educação nas pequenas comunidades rurais, marcadas por um atraso crónico da economia, por seculares défices infraestruturais, por uma demografia regressiva ou pela fragilidade dos seus modos de vida face ao auge que vinha marcando o mundo urbano e, em particular, a vida nas cidades.

Merecem por isso, na sua opinião, uma apreciação globalmente positiva...

Pelo próprio facto de constituir-se numa alternativa visível ao fracasso do sistema educativo nas zonas rurais, e a sua pretendida modernização, abrindo um debate acerca das múltiplas possibilidades que é possível ensaiar antes do encerramento de uma escola - implicando o deslocamento de milhares de crianças, antecipando educativamente o que se confirmará como um verdadeiro êxodo, de privar uma aldeia de um espaço e de um tempo cultural, de menosprezar uma forma de desenvolvimento social e económico -, considero que merece uma apreciação positiva.
Porém, uma coisa é o modelo e as suas propostas e outra são as realidades que se vão deparando, nem sempre bem sucedidas pela teoria nem pelas prática que propiciam. Uma avaliação válida tanto para o conjunto do território espanhol como para a Galiza, onde a ruralidade, como se sabe, foi e continua a ser um factor essencial da sua identidade socio-histórica e cultural.

Porém, de acordo com Roser Boix Tomás, da Universidade de Barcelona, os agrupamentos fizeram com que os profesores passassem a dedicar mais tempo a tarefas burocráticas, inclusivamente com a duplicação das tarefas relacionadas com a organização e gestão das escolas, e provocaram dificuldades na coordenação dos horários dos diferentes estabelecimentos de ensino. Qual é a sua opinião?

Considero que é uma apreciação acertada se se tiver em conta apenas os aspectos organizativos, de gestão e de coordenação. Sem dúvida que, devido à própria natureza da proposta, o agrupamento gera formas de trabalhar, de articular o saber fazer dos professores, dos alunos, dos recursos disponíveis, entre outros, que obrigam a pôr maior enfâse na planificação, administração e gestão das escolas. Diria que é uma consequência expectável da complexidade de que se dota um modelo como este.
Porém, e fazendo justiça à experiência e às circunstâncias em que ela decorre, é também o resultado previsível da aplicação de um novo modelo mantendo, ao mesmo tempo, velhos esquemas ou rotinas herdadas (na gestão do calendário e horário escolares, por exemplo), seja por falta de formação dos professores associada a um processo inovador, pela carência de recursos humanos e materiais postos ao serviço do projecto (tanto em tarefas docentes como no apoio à docência), pela resistência activa de alguns dos agentes envolvidos - em alguns casos das próprias instituições locais.
Por outro lado, não deixaram de ser experiências relativamente isoladas no conjunto das actuações que, quotidianamente, ano após ano, se empreendem no sistema educativo, carentes de suficiente reconhecimento e apoio por parte dos poderes mais estáveis da sociedade, entre outras razões porque as suas opções de escolarização se limitam, na maioria dos casos, à educação infantil ou, quando muito, à educação primária.
No entanto, ainda que estas "disfunções" sejam reais, não são menores nem em quantidade nem em qualidade das que também se registam em muitas outras escolas, obrigando a uma progressiva melhoria das práticas diárias, numas e noutras, sem que isto nos leve a questionar abertamente o modelo.

Que aspectos mais positivos salientaria nesta experiência?

Os Colegios Rurales Agrupados (CRA) permitiram agrupar várias escolas, normalmente de um lugar e com funcionamento isolado, numa única estrutura. A sua agrupação determina uma nova colegialidade, outra forma de conceber-se e desenvolver-se institucionalmente, de vertebrar a educação e o papel das escolas na sociedade a que pertencem, de gerar um clima de convivência e de presença social, de fazer participar os jovens e os adultos de uma alternativa que não é apenas escolar mas também social, cultural, económica, que reivindica o presente e o futuro do mundo rural.
Nesta perspectiva, são conhecidas muitas das suas vantagens: propiciar uma articulação integradora de diferentes estabelecimentos de ensino num projecto pedagógico comum; favorecer o desenvolvimento de uma formação que amplie os horizontes curriculares dos alunos e das famílias, actuando directamente sobre as suas expectativas e oportunidades educativas; promover a rotação ou alternância de professores especializados em diferentes áreas do ensino; abrir vias para uma programação e avaliação coordenada segundo os objectivos e as actividades programadas; possibilitar a sobrevivência da própria escolarização em meio rural e dos seus modos particulares de convivência social, enfim, de procurar o tantas vezes ansiado "desenvolvimento rural integrado".
Mais do que isto, não podemos esquecer - em especial lembrando a quem opta pela supressão das escolas em meio rural e não pela sua manutenção, aproveitamento e reconfiguração - que esta e outras alternativas que valorizam a educação em meio rural e para o meio rural, como um modo diferente de pensar e de fazer a escola, é uma opção de futuro e que a mudança rumo a um ensino de qualidade também é possível numa escola e numa comunidade de pequenas dimensões. E que, tal como se vem reafirmando nos últimos anos, a escola em meio rural pode ser um interessante laboratório, um campo de experiências e vivências pedagógicas muitas vezes extrapoláveis para as próprias escolas de meio urbano.

Em que medida poderá estar esgotado o modelo de escola "tradicional" no meio rural? Qual poderá ser hoje o seu papel?
 
Creio que todas as escolas "tradicionais", qualquer que seja o seu contexto - uma aldeia, um bairro ou o centro de uma cidade -, são a expressão de um modo de entender e de pôr em prática uma educação que está esgotada, não por própria vontade mas pela vontade do meio em que se desenvolve. Pelo menos se essa tradição se associa a sistemas e a actuações que previligiam o peso da autoridade, das formalidades, do saber ditado e imposto, etc...
Uma tradição que ao responder a condutas que cresceram e se expandiram com as cidades, está todavia mais patente nas comunidades rurais, às quais em geral sempre se tratou com pouca honestidade, ignorando as suas expectativas, interesses, aspirações, etc... Nada ou muito pouco dessa escola tradicional deverá permanecer, o que não significa questionar a sobrevivência da escola.

De que forma se encara esta questão no contexto dos países europeus e ocidentais?

No âmbito do debate aberto nos países industrializados acerca do futuro da escola em meio rural, em particular no contexto da União Europeia, tudo parece indicar que estamos perante uma dupla tendência na atribuição de papéis: de um lado, a que vê a escola rural como uma via para proporcionar a vida no campo, projectada na preocupação de dar aos jovens o sentimento de pertença à sua aldeia e região, de ter as suas próprias raízes, garantindo ao mesmo tempo as aprendizagens necessárias para uma convivência de amplo espectro cultural e social; de outro, a que pondo o ênfase nos próprios educandos, mais do que no meio, os prepara e inclusivamente induz a levar uma vida no exterior, o que não impede de socorrer-se em métodos e conteúdos que se apoiam no meio rural concreto.
Num e noutro caso, a pergunta acerca da identidade da escola rural, sobre se ela existe especificamente ou se é uma escola feita à imagem e semelhança de modelos urbanos, ainda que com pequenas variantes, não é uma resposta fácil.
Ainda assim, advogar por uma escola que parta ao encontro das comunidades em que está inserida e que estas se envolvam na escola; que o virtual e o material se fundam num mesmo projecto; que mais do que ser uma instituição meramente pedagógica ou educativa seja, no sentido mais amplo do termo, uma instituição comunitária e social, constituem pilares imprescindíveis para a escola que necessitamos e que, por muitas razões, ainda não conseguimos lograr.
Isto não significa renunciar à sua construção e do que a ela se poderá inferir para uma melhoria quantitativa e qualitativa da formação daqueles que habitam o meio rural, tanto mais quando as mudanças na maneira de produzir, viver, consumir, etc, os afecta de modo tão profundo (nomeadamente através das medidas que se adopta no âmbito da política agrária), e, por vezes, irreversível.
Neste sentido, bem como em outros que contribuam para pôr em prática projectos e trajectos mais sugestivos para a educação e escolarização em meio rural, o empenho das políticas sociais e educativas é fundamental. Não só como vias necessárias para dotar de opções económicas as práticas pedagógicas e culturais nesse meio, para fortalecer a auto-estima das populações acerca de quem são e do que representam como civilização herdada e viva, ou para procurar alternativas para um desenvolvimento sustentável que faça justiça a uma realidade maltratada, mas, sobretudo, como uma forma de assumir e reconhecer o importante compromisso que todos temos, enquanto sociedade, na procura de um futuro digno para o mundo rural.

Entrevista conduzida por Ricardo Jorge Costa


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 128
Ano 12, Novembro 2003

Autoria:

Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação
José Antonio Caride Gómez
Professor Catedrático de Pedagogía Social, Univ. de Santiago de Compostela
Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação
José Antonio Caride Gómez
Professor Catedrático de Pedagogía Social, Univ. de Santiago de Compostela

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