O ESTADO ESTÁ DESCONTENTE COM OS SEUS EMPREGADOS. A RAZÃO É O DÉFICITE DE PRODUTIVIDADE. ESTÃO A SER PREPARADAS VÁRIAS BALANÇAS PARA MEDIR A PRODUTIVIDADE DE CADA UM.
O Estado, demonstrou estar descontente com os seus empregados. A razão parece ser o défice de produtividade. Os funcionários públicos deveriam produzir mais. Mas como? Trabalhando mais? No entender do patrão, parece que sim. Já está em preparação uma balança para saber quantos quilogramas de papéis uma dada repartição consegue despachar; outra para pesar a quantidade de multas que determinada autoridade conseguirá aplicar (neste sector não deve haver falta de produtividade, dada a facilidade da sua execução); mais uma para aferir a quantidade de sentenças que forem proferidas nos tribunais; e ainda aquelas que servirão para determinar o peso dos alunos que concluem determinado ano ou ciclo; mais uma para avaliar a quantidade de tecido que conseguirem regenerar nos estabelecimentos de saúde; a que será usada com mais ansiedade e dificuldade, para pesar os sacos de moedas dos impostos e assim avaliar seja a eficiência da máquina fiscal seja a ética fiscal dos contribuintes; e outras mais? Se as balanças penderem muito para o lado dos pesos e não houver matéria para colocar no outro prato para equilibrar, é sinal que não há produção suficiente, por isso é preciso penalizar os culpados: os preguiçosos, os negligentes, os indolentes, os atrasados, os faltosos, os ?baldas?, os carrancudos, os desobedientes, os ?ronhas?. De que forma? Cortando-lhes nos benefícios remuneratórios. Esta fórmula tem enormes vantagens: é fácil, eficaz e ainda dá para poupar uns trocos. Porque virá um dia, um certo gestor sentenciar algebricamente: ?tu, tu e tu não contribuístes para atingir os números propostos, por isso não subireis de escalão? e quando se trata de dinheirinho, toda a gente se mexe. Objectivamente, trata-se da assombrosa, tenebrosa e temível avaliação do desempenho. ?Quem não deve não teme? ? tranquilizar-se-ão as mentes mais cientes das suas capacidades de cumprimento do dever. Contudo, as balanças hão-de desafinar com frequência; haverá talvez casos em que o chumbo dos pesos será retirado ou acrescentado, consoante a cara e a cor do ?cliente?; os erros de paralaxe serão difíceis de evitar; em suma, as injustiças serão bastantes e consequentemente desmoralizadoras e criadoras de climas altamente desfavoráveis a um bom desempenho. Com a agravante de virem a ser criadas quotas de mérito, o que pressupõe que nem todos poderão ser bons, mesmo que o queiram e sejam criadas condições para isso. O patrão Estado depara-se com um alegado excesso de funcionários sem ver os resultados correspondentes. Para agravar a situação, uma grande parte dos outros patrões que não são Estado, sentem-se lesados com esses fracos resultados e não contribuem com os seus donativos obrigatórios. Dá a sensação de haver uma cumplicidade inconsciente da parte de muitos funcionários públicos que contribui para o mau funcionamento do sistema no seu todo. Ou seja: o funcionário B não se importa ou não sente legitimidade para protestar ou ficar indignado por ser mal atendido na instituição X, porque ele próprio também sabe que comete qualquer tipo de falta na instituição Z onde trabalha, ou esta não funciona bem por qualquer outro motivo que lhe é alheio. Quem não gosta disso é o empresário C, que faz tudo o que é possível para não ajudar a pagar ?a esses gaijos? ? dirá ele; ?ando eu aqui a pagar e depois se estiver doente tenho que ir a uma clínica privada; os meus filhos? Tive que os meter numa escola privada a pagar forte feio; pr?a fazer a minha barraca, sabe Deus as vezes que tive de ir à Câmara por causa das licenças? ? desabafará. Forma-se assim uma cadeia de elos quebradiços e, consequentemente, pouco consistente. Admito que em cerca de setecentos mil trabalhadores haverá bastantes que abusam do estatuto de funcionário público de uma ou outra forma. São estes que contribuem para a falta de produtividade ou outras maleitas de que parece padecer o sector público? É por causa destes que vem aí a ?lei do chicote?? Poderá ser que sim. Mas este é só um factor. É preciso analisar os outros. As bafientas e obsoletas repartições têm vindo a ser substituídas por locais muito mais aprazíveis e equipadas com instrumentos que à partida deveriam simplificar e acelerar o expediente. Tem havido um rejuvenescimento, embora lento, dos recursos humanos, o que pressuporia uma melhor adaptação às modernas formas de trabalho. Mas pelos vistos nem isso contribui para uma melhoria da coisa? O problema não pode ser resolvido com uma varinha tirada debaixo da manga. Se não pode ser solucionado a curto prazo, que seja pelo menos atenuado para que a longo prazo não se fale mais nisso. Para isso terá que haver um empenhamento não só do patrão, dos seus cabeças-de-cartaz e dos súbditos imediatamente a seguir, como também das bases e dos intermédios. Dos primeiros espera-se que, em primeiro lugar, dêem o exemplo; que criem mecanismos desburocratizantes e desbloqueadores; que através de estudos e estatísticas prevejam as necessidades em cada sector de forma a rentabilizar melhor os recursos e, que não exijam que se faça omeletas sem ovos. Dos outros, espera-se que acima de tudo sejam responsáveis no cumprimento das suas obrigações desempenhando-as de forma jovial, expedita, isenta, incorruptível, de maneira a não darem a mais pequena razão para que o Sr. Patrão use ou mande usar aquelas balanças manhosas, nem para que os Sr. Empresário saia das repartições a esbracejar vociferando impropérios. Quando a complementaridade dessas acções se efectivar, será certamente natural que todos progridam merecidamente nas suas carreiras (políticas ou profissionais, consoante os casos) sem pensar constantemente no papão castigador. E até poderá ser que o Sr. Empresário contribua com mais vontade para que a balança das finanças pese mais para o lado dos almejados saquinhos que tanta falta fazem para as subidas de escalão e para que outras subidas e descidas, curvas e contra-curvas sejam mais rectlíneas.
|